terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Vigésima oitava carta de Schiller(da série de Cartas Sobre a Educação Estética da Humanidade) - Inacabada


   Se as alegrias dos sentidos podem apenasmente ser desfrutadas por nós enquanto indivíduos e as do conhecimento enquanto espécie e a beleza pode,enfim,unir os dois aspectos ao mesmo tempo,em que consiste a alegria proporcionada pelo belo?
   Permitireis que vos exponha um outro quesito antes de chegar a esta indagação e respondê-la.
   Se,talvez em hipótese muito remota,chegasse o dia em que o feio,o mórbido, o mau e o cruel,o ruim e o perverso,ou seja,tudo o que se opõe rigorosamente ao belo,se tornasse um valor  em si,o que seria da humanidade? Se o gênero humano se voltasse para a perversão,a crueldade e o ódio,possível seria criar uma autêntica obra de arte,possível seria a cultura,a civilização?Se a felicidade consiste no equilíbrio de todas as forças humanas,o que seria de todos nós se o mal prevalecesse ?
   É inconcebível a viabilidade de um estado desarmônico que se sustentasse por muito tempo e se nutrisse do caos e dele dependesse para massacrar o que existe de mais autêntico na humanidade.O resultado só poderia ser a extinção de tudo o que conhecemos e sentimos para o estabelecimento de uma nova ordem,para o Império Absolutista do Mal,levando-nos à total destruição,ao aniquilamento ao Nada.
   Assim sendo, retornemos à questão: em que consiste a alegria proporcionada pelo belo?
 
 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Lição




Escreveu: Sob o sol inclemente foi pelo caminho que serpenteava até chegar a uma ladeira íngreme.
"Todas as ladeiras são íngremes", pensou.  
Escreveu: Sob o sol inclemente foi pelo caminho que serpenteava até chegar a singular ladeira. 
"Todos escrevem que o caminho ou a estrada serpenteava".
Escreveu:
Sob o sol inclemente foi por sinuosa via até chegar a singular ladeira.
" Sempre o sol é inclemente.Melhor mudar".
Escreveu:
Sob o esplendor do sol foi por sinuosa via até chegar a singular ladeira.
- Por que não escreve: Sob o sol inclemente foi pelo caminho que serpenteava . até chegar a uma ladeira íngreme? disse o mestre de escrita.

(foto: Google imagens) 

sábado, 28 de janeiro de 2017

Comentário


A escritora Helena Britto Pereira comenta meu livro INTERSECÇÕES:

Seu livro é lindíssimo.A mim me soou como um grande poema de delicadeza, de sensibilidade aquosa,de força intensa disfarçada.
Continuando a leitura senti o desamparo que nos aflige a todos,os medos de dentro que desabrocham do nada,os desencontros que nos tornam tão paralelos.
Tudo dito com uma extrema beleza.Como num longo canto, os sons se elevam e se esvaem. E no fim o encontro que na verdade é viagem.Cada um irá para seu lado, dividindo esse lirismo que os uniu,dividindo esse peso que os separou.Parabéns.

  

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Remos


   Um velho barqueiro remando.Atravessar o rio muitas vezes ao dia,de uma margem a outra,é sua tarefa.Recebe os passageiros cordialmente,recebe o pagamento com gentileza.São infinitamente tristes seus olhos.Suave,a voz.Carrega homens,mulheres,velhos,crian-ças.Jamais reclama.Jamais fixa o horizonte.Ou as águas.Preso ao barco,nunca abandona seu fardo.Nada o impede de fazê-lo.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Mundos


O mineral prepara
o vegetal que prepara
o animal que prepara o homem
que prepara o anjo.

A pedra prepara o anjo.

(imagem: Google)


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Tradução


   Pramila Khadun é da República da Maurícia, (Ilhas Maurício). É casada com Raj Khadun e tem três filhos. Tem livros publicados em coautoria e é autora dos livros When Love Speaks e Food and Nutrition. venceu o Reuel International Prize de Literatura em 2015.
   O texto a seguir é minha tradução de poema sem título de Pramila.

Há várias vielas em seu coração
Atravessadas por diversas mulheres
Deixando pegadas conforme  seu gênero,
Intensidade e autenticidade,
Às vezes com desejos selvagens, indóceis,
 E verdejantes colinas, avariadas,rosas feridas,
Todavia,vim como gentil brisa,fecundada de amor,
Em silêncio viajei por tais vias,
Virgem,intocada e na paixão de Cristo
Criei amor eterno e imortal.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Silêncio


Quadrado perfeito formado por escadas.No centro,altar.Nos degraus,imóveis monges budistas,sentados.Ao lado de cada monge,uma lamparina acesa.Um jovem descendo os degraus lentamente.Passa,cuidadoso,tentando evitar qualquer perturbação aos monges e às lamparinas.Chega ao centro do quadrado.No altar,uma pedra para ser esculpida

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Carte de Fernando Pessoa a C.W.Leadbeater


   Respondendo à sua carta anterior,confirmo a solicitação.Sim,farei a tradução do seu livro intitulado Clairvoyance (Clarividência) ,pois acredito  ser esta a minha maneira de contribuir para os estudos de Ocultismo. Além disso, interessou-me sobremaneira a abordagem do tema. A clarividência simples,a clarividência no espaço,a clarividência no tempo e,principalmente,os métodos de desenvolvimento da clarividência. Esta última parte em particular é a que mais está a fascinar-me,aliada à possibilidade  de transcender tempo e espaço e ver aquilo que tão poucos possuem,a saber,a extraordinária capacidade de ver o até,o invisível,de tornar o ser humano um poeta-vidente,um super-Rimbaud, apto ás iluminações e um poeta não só do escrever,mas do viver,transformando a própria vida numa obra de arte. Não é este,no fim das contas,o ideal de todos nós?
   Resta-nos agradecer por esta oportunidade e empenhar-me para traduzir  corretamente suas ideias e seu saber.
                                                                                                Sinceramente,
                                                                                                Fernando Pessoa ele mesmo.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Poema


No solo, crânio e rocha, o esplendor do sol.
Quem desmerece o Antigo?
Animais, humanos em coito, embriões. Proliferar, um custo.
Eis as larvas, esporos, fetos.
Ninguém diga “Nada se reproduz.”
 Nunca contém, o solo, tudo quanto o sobrecarrega.
Insuficiente, por toda parte excreta testemunho de excessos.
Ao sol crânio e rocha não são despeito.

sábado, 21 de janeiro de 2017

TERRASSOL de Herman Schmitz


   Terrassol é um livro de contos de ficcção científica de autoria de Herman Schmitz ,publicado pela Atrito Arte Editora.
   São 23 contos,além da introdução e conclusão e do Prefácio.
   As histórias são narradas por um vista digamos alienígena e às vezes, dos habitantes do planeta Terra e giram em torno dos acontecimentos que sucederam o colapso planetário,assim como do seu processo.  isso permite ao autor abordar questões fundamentais como tecnologia, meio ambiente,  relacionamento,memó-ria, conflitos sociais.Enfim, tudo o que diz respeito a problemas muito atuais .
   Cada  história contém um pequeno achado, trazendo uma visão interessante e original a respeito da vida humana e da sociedade com seus costumes,problemas e dificuldades.  estão presentes com temáticas já clássicas da ficção científica como a invasão extraterrestre e a viagem no tempo. Mas isso é feito de modo original,inovando os temas abordados e trazendo uma reflexão pertinente.
   Histórias como O Clone de Si Mesmo, A Cabeça do Vovô , O que Dizem os Livros são impactantes, conferindo força ao livro.
   No meu ponto de vista, o conto A Nave Original, com temática arquetípica,é uma obra-prima.
    A leitura faz com que aguardemos com interesse os novos projetos de Herman Schmitz.
   

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Partenogênese


Ficou grávida no deserto.
E ali mesmo pariu,sobre cardos,
um menino lampeiro.
Ele ingeria salamandras vivas,
era de constituição delicada,
mas resistia bem ao bravo sol.
Sua mãe resignava-se diante de tudo
e espremia rochas pra fazer um caldo.
Grosseira e bela.
Um dia ele resolveu aprender logaritmos.
E estudar sinais matemáticos.
Até que certa vez descobriu um
imenso segredo: que além do zero
há o menos um
e que o menos um elevado á segunda potência
é igual a mais um.
desde então principiou
a amar o dia de seu nascimento.

(foto: Google Imagens)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

AUTOR CONVIDADO


Júlio Damásio é cientista social e escritor independente. Nasceu em Curitiba em 25 de outubro de 1966. Ministra palestras e oficinas literárias. Participou de diversas antologias ,entre elas, Contos paranaenses", organizada por Luiz Rufatto. Tedm os seguintes livros publicados: Contos Puramente Maliciosos (1995), Conto dos Contos e outros contos ( 2003), A Compota de Pimenta e outros contos (2008), Oração de Quase Descrente (2009), Num Piscar de Olhos e Outros Olhares ( 2016).

A seguir, 4 microcontos de autoria de Júlio Damásio :

Retrato Social 
A folha de jornal que cobria o rosto do menino negro assassinado na rua, estampava na capa a foto de outro menino negro morto em outra rua no dia anterior, que tinha o rosto coberto com outra folha de jornal com outra foto


Traição 
Eu era apaixonado! Fui traído por ela e pelo amigo. Ao longo do tempo sempre me perguntei o porquê, o porquê das traições. Hoje, trinta anos mais tarde tive a resposta. Encontrei o casal de cabeça branca atravessando a rua de mãos dadas. 


BANDIDO E MOCINHO
Brincavam, ele mocinho o irmão bandido. Escondeu-se atrás do sofá e ao ver o rival montado em um cabo de vassoura, cavalo imaginário, atirou. Pá! A arma do pai era de verdade
 
Recado 
-Pare um pouco, preciso falar algo com você pela ultima vez. 
-Agora, não! Quero passar no shopping antes da faculdade, outra hora...
-Mamãe , ele queria falar comigo e não dei ouvidos, meu Deus! Se eu soubesse... 
- Filho, seu avô deixou um recado. Ele queria dizer apenas te amava muito! 







quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Tradução

  Kuchibotla Sarada é da Índia, escreve poesia e participou de diversas antologias. É também professora no Sri Chaitanya Junior College.
  Traduzi quatro poemas curtos de autoria dela.

Coruja
Em nesga de luar
Lar solitário...

..............................

Rio de inverno
Inundado de luar
Silente alvorecer....





Altas labaredas erguem-se
Partes de mim ardem
Punhos de fúria

...................................................

Frágil Sol matutino ascende
Voo de garças sobre a névoa
Pintura em minha parede

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Receita


Na família havia
uma antiga receita
de um tipo ímpar de pão.
Na passagem dos séculos,
com  as inúmeras mudanças,
tal se perdeu.

Hoje,quando
quero recordar os mortos,
resta-me apenas
vasculhar
padarias e atirar
migalhas aos pássaros.

(foto: Google imagens)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

POEMAS

VIAJANTE

Tenho passado por mosteiros e prisões e hospícios.
Em nenhum deles consegui ainda encontrar
o umbigo que caiu no acampamento
enquanto minha mãe dançava com ciganos.

(imagem: Google)




TÚNEIS

Falaram de um Atlas
sustentando a Terra.

E de um São Jorge
habitando a Lua.

Mas eu prefiro mesmo
as minhocas da minha horta.

(imagem: Google)


domingo, 15 de janeiro de 2017

Poemas Curtos

História de Pescador

-Matei um monstro marinho! disse um.
_Lutei com um polvo! disse outro.
-E eu?Ora,eu só vim catar conchinhas!


Sexta-feira Santa

Eles foram assistir a Moby Dick
num magnífico tom sépia.

Logo depois foram comer sardinha
no bar do Zé Pirão.

Ninguém viu Jonas.


Pontualidade

São
seis horas
da tarde.

Onde
está
o arcanjo
Gabriel?

sábado, 14 de janeiro de 2017

Lar



   Entre os quadros do pintor de rua descobriu um que lhe despertou especialmente a atenção.
   Obra simples,composta de uma casa,mas onde as formas,disposições de cores, tonalidades de luz e sombra continham encanto único.
   Comprou-o e levou-o.
   Colocou na parede da sala e admirava a imagem todas as vezes que por ali passava.
   O artista captara alguma coisa ali que o fascinava à beira da obsessão.
   Na hora de dormir, fechava os olhos e de imediato  enxergava o quadro com toda nitidez.
   Cada vez ficava mais tempo parado contemplando-o de modo que todas as atividades do dia ficaram sendo prejudicadas.
   Preocupado, procurou pelo pintor, até que o viu na praça ,diante de um chafariz.
   Perguntou a ele qual havia sido a inspiração para aquela pintura.
   O homem sorriu e disse: Volte para casa. 

(pintura: Edward Hopper)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Núcleo

 
Após o banho de mar, deitou-se sobre a praia.
Exaurido de sol, ficou de lado,encostando o ouvido na areia.
   Captou a vibração das ondas e,descendo as diversas camadas do solo, sua percepção auditiva chegou ao centro da Terra.
   Em abandono, esqueceu-se da agitação das águas,do movimento dos peixes e gaivotas,do tumulto dos marinheiros.
    Restrito ao subterrâneo pulsar do planeta,acabou ouvindo as batidas do próprio coração.
   Daí para alcançar o coração do Universo foi apenas um passo.

(imagem: Google)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Autor Convidado

  

                                                

Helena Britto Pereira é formada em Comunicação Social pela PUC-RJ.Publicou contos na revista literária Germina e o livro A Menina que Não Sabia Escutar e Outras Histórias pela editora Kronus-2014. 

Conto: A Mãe



    Costumava ficar confusa quando pensava em minha mãe. O que era uma mãe? Nem sabia, também, se ela era feia ou bonita. Baixinha, cabelo castanho encaracolado. Depois, cabelo louro claro, mais curto e liso. Será que era a mesma mãe? Estava sempre ocupada, fora de casa. Trabalhando ou jogando cartas com as amigas. Ela adorava jogar cartas. Tinha tantos baralhos na cômoda do quarto! Ninguém podia pegar em nenhum. Criança não joga cartas, amassa, e não embaralha, espalha. Eu só ficava olhando, com olho grande, aqueles desenhos de flores coloridas no plástico. No quarto da mamãe tinha muita coisa. Armários, mesinhas, cadeira, roupa, chapéus. Às vezes, via também várias camisas do papai jogadas no chão. É que ele vestia e tirava rápido, jogava longe e dizia que estava sem botão, de novo, droga, e mamãe sabia que papai só gostava de camisas com muitos botões.
 O que eu não gostava no quarto era uma janela que ficava mais pra cima da cama. Detestava. Em algumas noites ouvia minha mãe dizendo que ia sentar no parapeito (a babá explicou que era a beirada de madeira) e que ia pular. Eu, no meu quarto tentando dormir, não gostava de ouvir isso, não. Nem os gritos e barulhos. Tampava os ouvidos com o travesseiro. Melhorava só um pouco. Eu ficava pensando: e se ela pulasse e quebrasse um bocado de ossos? Ou as pernas gorduchas que eu achava lindas? Meu pai dizia que eram lindas. Também dizia Babs (o apelido que ele deu pra mamãe) sai daí. Dizia gritando.
   Eles gritavam bastante todas as noites na hora de dormir. Quando não gritavam é porque saíam, eles gostavam muito de sair. Então não tinha brigas, mas também não tinha pais. Nem paz. A babá e a outra empregada se vestiam com roupas arrastando no chão, e chapéus de palha, e assustavam a gente. E não era carnaval. Eu fazia xixi na cama todas as noites, tinha muito medo do escuro.
   Quando não estava fora de casa, ou brigando, não lembro muito da minha mãe. Sei que ela gostava de fazer macarronada. A cozinheira ficava só olhando e ajudando, quem fazia era minha mãe. Era o dia da semana em que eu mais gostava do jantar.
    Ela não me levava no colégio. Nem a meus irmãos. Éramos todos semi-internos, quer dizer, íamos para a escola às 7h da manhã e voltávamos às 5h da tarde. Ônibus nos buscavam e traziam de volta. Cada um estudava num colégio diferente, e tinha um ônibus diferente. Na rua, na porta de casa, ficavam em fila nos esperando. A babá corria de um lado pro outro, nos apressando, sempre atrasados. Não sei como uma babá podia tomar conta de tanto irmão. Mamãe não conseguia. Ou nem queria. Deve ser porque era uma babá grande, alta. Papai também era muito alto e forte, e trabalhava muito também, muitos hospitais, de dia e de noite. E conseguia tomar conta de todos os filhos. Mamãe, coitada, era uma mãe baixa. Que não ria muito.
   Quando íamos à praia, ele ficava em pé na beira da areia nos olhando mergulhar e nadar e furar ondas. E gritava e batia palmas e dizia mais longe, mergulha mais! Mamãe ficava na barraca, na esteira (não gostava de areia) de chapéu e olhos fechados. Quando chamávamos para ela nos ver no mar, ou pegando tatuí, ou fazendo buracos e castelos, ela não respondia. Minha mãe não escutava muito bem. Também enxergava mal. Usava uns óculos bem grossos
   Meu irmão mais novo nasceu, e era mínimo. Só chamava ele de pingo. Era muito magrinho e tinha cabeça de ovo e virava os olhos para trás e eu corria para chamar mamãe. Ele ficava sozinho no berço e então eu ficava perto, só olhando. Eu já tinha quatro anos. Um dia meu irmão de nove anos entrou no quarto com uma lata de talco bem grande e disse que ia matar o bebê. Sufocar. Abriu a boca dele, encheu de talco, despejou o resto da lata no corpo e foi embora. Eu fiquei com muita pena, me debrucei no berço, abri a boca do meu irmão e limpei. Peguei ele no colo e fui procurar  mamãe. Ela ficou assustada quando contei tudo, e foi dar banho nele. Mãe pequena fica assustada a toa. Depois eu a vi falando pra babá que ficou a-pa-vo-ra-da quando viu um tiquinho de gente com um bebê branco no colo. Bobagem.
    Chato era quando minha mãe não ia às reuniões do meu colégio. Todas as mães iam, e passavam na sala para dar beijos nas filhas. Ficava com muita vontade de fazer xixi e então pedia pra freira para ir ao banheiro e ela, que detestava esses pedidos, deixava. Outra coisa muito chata nessa escola era ter que ir a missa todos os dias. Confessar todos os pecados e rezar muito. Precisava levar o Missal, um livro com capa de couro, escrito em dourado, e cheio de folhas muito fininhas. Muitas folhas, um livro grosso. A primeira folha era em branco, escrito no meio Novo Testamento, e no branco de cima todas as mães escreveram palavras para as filhas. Muitas palavras bonitas. Dedicatórias é o nome. Não sei por que, minha mãe esqueceu, então as colegas ficavam rindo e implicando. Um dia me enchi, peguei uma caneta de tinta do meu pai, e escrevi
     "Para minha filha querida, com o amor da mamãe." Assinei assim mesmo, mamãe. Um dia a freira pegou meu missal, às vezes ela pegava os da gente, viu as palavras e me olhou esquisito. Será que ela não achou bonito?
   Também nos passeios com papai - ele adorava passear - minha mãe ficava paradona. Cansava. Não gostava de areia, nem de terra. Gostava de drinks. Tinha cheiro de drinks e perfume francês forte (ela gostava de virar o vidro, não usava a ponta do dedo, não). Meu pai tinha cheiro de pinheiro. Alto e cheiroso. Nós íamos para Itatiaia nas férias e lá tinha muitos pinheiros, então decorei o cheiro
    Vou ter um irmãozinho! A barriga da mamãe tá bem grande. Vai ser o último, ela disse pra babá. Dá muito trabalho, cansa. Agora minha mãe não vai poder sentar na beirada da janela. E se ela escorregar? O bebê pode ficar assustado. Também não vai poder gritar e brigar muito com papai e fazer tanto barulho. Como o bebê vai descansar?E a outra, uma que ela pergunta sempre para o papai, a vagabunda, também não vai poder tirar o papai da gente. A outra não tem barriga, a mamãe tem. E vai acabar essa história do papai sair na noite escura batendo a porta e mamãe correndo atrás dele, atravessando a rua no meio dos carros. Eu vejo da minha janela. Papai sempre diz pra gente atravessar devagar. Porque é perigoso, ele explica. Meu novo irmãozinho vai poder, na páscoa, procurar os ovos de chocolate que meu pai esconde nos lugares mais difíceis.
   Pai grande, quando esconde ovo, é fogo. A gente tem que ir à sala e pegar uma cadeira grande também. Ou deixar os irmãos pegarem tudo primeiro.
 
 
 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

A Arte do Soprador de Vidro

Seria o fôlego
a forja

Seria a ausência
de forma

Seria o transparente
 que contorna

Resgatar
quem sopra e sopro
talvez pondere
quem rompa e sele.


terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Casa


Minha casa fica
na esquina do mundo,
em frente ao abismo,
mancomunada com o sol.
A porta se abre
para o inverno
enquanto frutos proliferam
no porão em trevas.
A janela olha
para si mesma,desvelando
a medula da paisagem.
Minha casa erige
nova arquitetura,
desobstruindo
terrenos em busca
de suas fundações,
raízes de lava
no útero do mundo.

(imagem: Google)


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Tradução


Nascido em 1988 na pequena cidade de Silchar,Assam,Índia, Daipayan Nair é poeta,ensaísta,colunista. Publicou seus trabalhos em diversas antologias e jornais online: The Poetry Breakfast,The Galway Review,Tuck Magazine,etc. Em 2016 recebeu o The Reuel International Poetry Prize. Publicou o seu primeiro livro de poemas The Frost. 
   Com o consentimento do autor,traduzi dois poemas:

TUDO MEU

Dizem que tudo é meu.
O amor pelo Sol,
sua subsequente traição
e aceitação.


ELE NÃO É O MAIS NOTÁVEL

Ele é forte.
Ele é responsável.
Ele é suficientemente duro
ainda que atenuado pelas chuvas.
Ele ainda não pode agir
quando é mais exigido.
Ele não pode continuar
 com a garota à noite.
Ele não pode garantir
que está mais próximo,
que é o mais notável.



domingo, 8 de janeiro de 2017

Poema de Li Po

Em frente à minha cama brilhava o luar.
Por um momento pensei que fosse geada no chão.
Levantei a cabeça,percebi que era a lua.
De cabeça baixa,sonhei com meu lar distante.

(imagem: Google)

sábado, 7 de janeiro de 2017

Natureza morta


Da sombra emerge
a forma
a preencher o espaço,
carne que se faz
vida no provisório
das insurgências.

Aflorar do instável
no estigma do perecível,
espiral de vazios concêntricos
a adornar o ilusório.

(foto: Cleber Pacheco)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Poema

  
 Ossos e sol, o descarnado.
   No osso, o alvitre do ferimento, a marca, negação do supérfluo.
   Dureza indócil,  resgate do nada, testemunho de um silêncio
que ignora o mundo.
   Sol e ossos, o polido.
   O lume a fitar as coisas, a empanar seu brilho nas fímbrias do opaco.
  O vítreo a expelir a face do ocaso.



quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

AUTOR CONVIDADO

Alguns poemas de autoria de Lourença Lou. Ela publicou o livro Equilibrista pela Editora Penalux.

amar: advérbio de modo

inevitável
perambular sem rótulo
à beira do pop
escutando blues

inevitável
perder-se no rock
do amor inventado
cazuzando azuis

inevitável
dissociar sem dor
o eu do nós

(evitável
permanecer casmurro
sonhando capitu)
à janela do quarto de dormir 

devorando vazios
esqueço-me
numa espera inexistente

lá fora
a madrugada geme
a solidão da rua

nada há
além do silêncio
que se instalou na memória

alguns dias
não foram feitos para nascer


herdeiros do amanhã

pensava que caminhar
era só uma questão
de entender-se com os pés

descobri
que caminhamos
para evitar o
desentendimento
entre os saltos e os tombos

seguir em frente
é romper com o medo das
manhãs









quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Moeda

Altos são os índices de lucro.
Estratosféricos são os índices de lucro.
Gigantescos são os índices de lucro.

A morte virou
moeda de troca.

(imagem : Gooogle)

 * (Amanhã tem Autor Convidado)

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Expectativa

                                    
     

      Na rumorosa selva surge uma presença.Um aborígine.Ele espreita.Atento,alerta,sagaz.Cautelosos,os animais se afastam.Nenhum deles quer virar caça.Nenhum deles quer ser descarnado,eviscerado,comido.Escondem-se,ocultam-se.Tocas,antros,orifícios tornam-se abrigo.restam apenas insetos em sua vida de estalidos e devoração.As horas passam,os dias.Ele não tenta,não fere,não mata.Apenas continua em estado de alerta.A lança em riste.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A Grande Obra



Arte requer
recipiente,
vácuo e lugar
do dissonante,
convergir
do inarticulado,
espaço e cor
do desmentido,
escoadouro 
do antes,
inventário
dos entes,
do resgate,
arrimo e porte,
em registro,
todo e parte.



domingo, 1 de janeiro de 2017

`Fonte


Onde nasce
o início?
Onde o voo
principia?

Regurgita
borboletas
a crisálida

Abre-se
o céu
para infusão de asas

(imagem:  Google)