terça-feira, 30 de julho de 2019

Resenha


   Reli recentemente Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres  e gostei ainda mais do livro. Clarice narra a trajetória do casal Lóri e Ulisses que gradativamente  tenta se aproximar, vencendo suas barreiras internas. Para isso precisam efetuar realmente uma aprendizagem.  Lóri, cujo nome é Lorelei, nos remete à personagem do folclore alemão que entoava um canto irresistível, fazendo os navegantes conduzirem seus barcos até o rochedos e naufragarem. Também nos remete à mitologia grega,  às perigosas sereias que podiam acabar com a vida dos marinheiros. E nos faz relembrar a passagem da Odisseia onde Ulisses  tapa os ouvidos dos marinheiros com cera e é amarrado ao mastro do navio para poder ouvir a beleza do seu canto sedutor. 
  No livro da autora, Ulisses é um professor de filosofia e adota certo tom professoral para com sua amada, ora se aproximando, ora se afastando, ensinando-a a superar os próprios limites, desafiando-a a experimentar a dar um passo sempre além. Assim como ela o atrai pela beleza exótica, ele também a seduz, invertendo os papéis. Por seu lado, ele precisa vencer a necessidade de racionalidade e defesa mental, enquanto Lóri tem de vencer o medo de  sentir a dor de existir, pois  pode encontrar a alegria de existir apesar ou graças à esta mesma dor. .
   Ambos precisam vencer suas próprias limitações, cada um tendo de avançar um pouco para que esta aproximação se torne possível. Trata-se de uma espécie de educação sentimental, mas é mais do que isso: é, na verdade, uma educação existencial. Aprender a viver, a sentir o sagrado e o profano e aceitar o poder e a fragilidade próprias do ser humano.
 
     Eu estou sendo, dizia a árvore do jardim. Eu estou sendo, disse o garçom que se aproximou. Eu estou sendo, disse a água  verde na piscina. Eu estou sendo, disse o nosso mar verde e traiçoeiro.

    É imprescindível entrar em contato com a vida nua e crua, desfazendo as estruturas internas defensivas. Só assim será possível mergulhar no mistério e no êxtase da comunhão com o Outro . Então não haverá Eu nem Outro, mas apenas Nós.

      Eu sou tua e tu és meu, e nós é um. 
    
      Vencer a dualidade para alcançar uma unidade, a fusão e obter a aceitação das capacidades e limitações de nossa humana condição. 

   

quarta-feira, 24 de julho de 2019

Microconto; DISTOPIA

Entrou para fora. Saiu para dentro.
Subiu para baixo. Desceu para cima.
 Para sobreviver, morreu.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Upanishad Brihadaranyaka

Morrer sempre
para morrer nunca,
esvaziar a morte
para preenchê-la
nas intermitências
da floração do vivo,
raiz sem frutos
no pomar do Nada
que tudo engendra,
aroma de húmus
na destilaria do Infinito.

(foto; Google)

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Resenha


   Édipo Rei é certamente a tragédia grega mais emblemática de todas. Não só por ter uma estrutura perfeita como por ter sido utilizada por Aristóteles em sua Arte Poética e estar presente nas teorias psicanalíticas de Freud.  Dizem também que a referida tragédia é a primeira história policial escrita, em que o detetive é também o assassino.  Já Édipo em Colono nos relata acontecimentos posteriores ao momento mais crítico da vida de Édipo. Os fatos agora ocorrem no período da velhice da personagem e possuem um outro tom. 
    Amparado pelas filhas Antígona (protagonista de outra tragédia emblemática) e de Ismene, expulso pelos filhos Polinice e Etéocles,  ele busca refúgio no santuário das Eumênides e busca ainda o apoio de Teseu para enfim morrer em paz. Todavia os conflitos causados pela disputo por poder entre  Etéocles e Pilinice  irão perturbar esse período final.
    Édipo recusa-se  a apoiar Polinice. Não só não suporta tamanha hipocrisia como também já não está mais interessado em acontecimentos passageiros. Seu foco agora detém-se sobre os mistérios da morte. Para ele o mais importante é a sabedoria adquirida devido ao sofrimento do que as ilusões proporcionadas pela ambição e pela tirania. A ação já não tem a prioridade em seus derradeiros passos. A reflexão  ganhou prioridade.  E em vez da intempestividade própria do gênero masculino  o que lhe toca é a afetividade do mundo feminino, pois é a atitude maternal de Antígona que lhe fortalece. Prefere também o senso de justiça de Teseu do que  o desejo comandado pela ambição de Polinice.  Se na tragédia anterior a cegueira de |Tirésias possibilita a vidência e a sabedoria , que tanto incomadavam Édipo, desta vez a cegueira do próprio Édipo lhe proporciona uma visão muito mais clara a respeito da existência humana.
   As palavras do Coro no quarto episódio da peça sintetizam maravilhosamente as questões apresentadas por Sófocles :

 Quem, ao transgredir o comedido, 
aspira ao excedente na vida  
cultiva inquestionavelmente  
a insensatez  aos meus olhos. 
Ricos em anos, 
prosperamos em dores. 
Foge o prazer de quem 
rompe as fronteiras 
do devido. 
Igualando todos, 
emerge do reino sombrio ,
o fim, 
sem bodas, sem lira, sem danças, 
a morte, derradeiro limite. 

      
   

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Vasos Canópicos


Extrair
entranhas, ingeri-las
no âmago do provisório,
escavar
o oco, reter
o vivo nos estertores
da morte,
destilar
o eterno na conservação
dos invólucros,
mumificar
o agônico, liberar
solar barca
na longa viagem
ao coração do Abismo.

(foto: Google imagens).