segunda-feira, 25 de março de 2024

Fauna

 


Sim,
também já espantei
moscas,
pisei em baratas,
engoli borboletas.
É verdade ainda
que me recusei
a provar
bichos cheios
de olhos e patas
e aqueles sem olhos e patas
a mergulharem
no ventre do abissal
como se abdicassem
das estranhezas da superfície
só para acatarem
as aberrações do abismo.
Não sou onívoro,
recuso-me
a degustar
ossinhos, escamas, penas,
embora possa cavar
tocas para domesticar
a cólica da terra,
enquanto as abelhas zumbem
de êxtase e fome
nos campos minados
pelos homens.
Sim,
já fui picado
pelas lacraias,
já fui mordido
pelos morcegos
enquanto vagava
nos safáris d'inverno.
Mas continuo evitando
os zoológicos,
as bestas precisam
se proliferar,
a vida não serve
para quem nunca
extinguiu ,
por pura compaixão,
o canto das cigarras.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Novo livro

 


Texto da orelha do escritor Herman Schmitz:

 " Seja bem-vindo ao mundo multidimensional de Cleber Pacheco. Cinco personagens de nacionalidades tão diferentes como Japão, Irlanda, Índia, Rússia e Brasil, relatam seus momentos decisivos, começando por suas mortes, e seguem com flashbacks das suas vidas. Tudo isso ocorre de forma simétrica e vertical, em um crescente relato visceral sobre a solidão, a velhice e a transitoriedade da vida. Como em outras obras do autor, se imprime um forte tom místico que vai além da narrativa, fazendo do romance uma grande mandala de sentimentos e reflexões, de sensações e descrições, em uma requintada prosa poética. Embora tenha uma aparência de documentário por ser montado em temas, com camadas que unem e aprofundam a discussão, o resultado final é de que o livro rapidamente entendido, transforma-se ele próprio, em uma peculiar resposta ao sentido da vida. "

___________________

Herman Augusto Schmitz

Poeta e Mestre em Letras – Estudos literários

terça-feira, 19 de março de 2024

Tarefa

 



Ontem
estive à beira
da morte,
hoje
lavo pratos
com sabão caseiro.
Refeições
têm horário fixo
e não há tempo
para reparar
danos,
os dias seguem
seu fluxo
assim como
as obrigações
e é preciso cumprir
as tarefas domésticas
com o mesmo zelo
de quem nunca
morreu.
Uma casa não espera,
está sempre
a gerar
trabalho
mesmo enquanto
velamos
nossos dentes caídos
ao trincarmos
o corrosivo caroço
dos dias.

terça-feira, 12 de março de 2024

Resenha

 


MISTÉRIOS EM "A ROSA MÍSTICA",DE CLEBER PACHECO

por Luiz Otávio Oliani 

 

"Homens de artérias obstruídas

Andam pelas ruas

Esmagadas pelo tempo." P. 29

Cleber Pacheco


         O livro "A rosa mística", Guaratinguetá,SP, São Paulo, 2023, é um acontecimento na vida cultural de Cleber Pacheco. Trata-se de obra  que celebra 25 anos de atividades literárias do autor.

No prefácio, o já consagrado José Eduardo Degrazia trouxe à tona a trajetória literária de Cleber Pacheco em vários gêneros.

No que tange à poesia, enfatizou o misticismo como uma característica do autor, ao mergulhar nos mistérios da mitologia medieval. Enalteceu a união entre mente e espírito atravessa poesia. Citou Gaston Bachelard e o "devaneio" proposto pelo literário através do polissimbolismo da palavra.

Ao discorrer sobre a atenção do poeta sobre as questões do mundo, além do esoterismo presente no livro em análise, o que não afasta leitores céticos ou críticos, Degrazia expôs que a visão mágica e intervenção da realidade pelo encantamento foram duas  características autorais presentes, já que têm a ver com a essência da linguagem por si só.

Assim, ao revelar que Cleber Pacheco desvenda os enigmas do ser e da existência, o resultado é a Beleza, com letra maiúscula.

Parte do prefácio aparece nas duas orelhas de "A rosa mística".

Em termos de posfácio, há duas apresentações.

A primeira é de Eduardo Jablonski, Mestre em Literatura pela UFRGS. Nesta, ele enfatiza o hermético e o opaco na obra de Cleber. Isto porque é a ambiguidade do texto literário que leva o leitor a múltiplas percepções e todas estão corretas.

Segundo Jablonski, o hermético derivaria de uma das influências de Pacheco, no caso, João Cabral de Melo Neto, para o qual a concisão e o trato com as palavras são fundamentais em um bom texto

 Já Herman Augusto Schmitz, poeta e Mestre em Estudos Literários, no texto"25 anos de poesia,", p. 69, na obra em viga "(....) perscruta a alma, o sentido do oculto, do alegórico e do hermenêutico."

Assim tal literatura seria possível se ser contemplada como um mandala ou centro de força, em forte simbolismo religioso.

No que tange à estrutura de alguns poemas, cabem algumas notas, por ser impossível uma análise de todos os textos.

Em  "Condição",p.15, o eu lírico analisa a dicotomia entre "existir","memória","esperar"e "esquecer",ao realizar a tarefa mágica do ato criador.

Já em "Geometria",p.16,apesar da chave de ouro em "A geometria transcende / Hipotenusa e catetos", há um leve traço metalinguístico no poema, devido à presença dos vocábulos "semântica","grafemas "," branco" e "página". O mesmo de dá em "Verbo ",p.17, no qual é bem explícita a presença da função metalinguística,a começar pelo título.

Do ponto de vista estrutural dos poemas,"Ancestral",p.18, é o texto no qual prevalecem os paralelismos, já que as quatro estrofes são iniciadas pela estrutura "Antiga é a (....)", com alteração dos substantivos próprios elencados.

Com alusão intertextual a William Shakespeare, o bardo inglês, "To be or not to be",p.22, o poema é rico de metáforas e antíteses que buscam traduzir dúvidas existenciais: " Viver é quase um sonho / Que a morte nos desperta, / Morrer é modo estranho ,/ De descobrir a descoberta."

A reflexão filosófica  está em  "Adivinhos"p.,27 ,( o místico como busca para salvação).; "Tempo",p.29 ( poema que revela a inversão de valores da sociedade contemporânea,); "Mundo",p.31  ( a luta pela preservação da memória diante dos horrores criador pelo homem,), entre outros.

"Breakfast",p. 32,traz a efemeridade da vida,pois "O tempo transcorre fagueiro / e um dia tua boca murcha, / teus dentes caem / e já não ouves com a mesma / precisão de antes."

 

*LUIZ OTÁVIO OLIANI é professor e escritor. Publicou 18 livros, incluindo poesia, conto, teatro e literatura infantil.

 




quarta-feira, 6 de março de 2024

Autor Convidado

 


   Nelson Alexandre nasceu em Maringá, Paraná. É autor de Paridos e Rejeitados  (Contos, 2012) e Poemas Para Quem Não Me Quer (Poesia, 2013), ambos publicados pela Editora Multifoco -RJ. Em 2005 recebeu Menção Honrosa no prestigiado concurso de contos Newton Sampaio , quando então viu seu trabalho publicado em uma coletânea pela primeira vez. Fez parte da coletânea 101 Poetas Paranaenses , publicada pela Biblioteca Pública do Paraná, em 2014. Teve textos publicados pelas revistas: Literacia, Outras Palavras, Flores do Mal, Germina, e Diversos Afins e nos jornais: Rascunho, Bebop, O Duque e O Diário. É graduado em Letras de Universidade Estadual de Maringá. 


REFERÊNCIA POÉTICA Você, Drummond, nunca foi minha referência, E não nego, Pois, não sou homem de negar aquilo que defendo E digo, Também não sou traidor, Não sou Judas, Drummond, Eu sou poeta, como você, Mas nunca o tive como referência, E o chamei de chato numa aula de poesia E nunca mais tirei nota maior do que seis. É um castigo, Drummond? Ou o tato dos avaliadores é vingativo Como uma surra de cinta dada pelo pai que nunca veio? Ou da mãe que fecha os olhos Para o arreio? Numa coisa você tem razão, Drummond, A vida é chata mesmo, Fechada em arquivos burocráticos, Onde o coração não bate como a zabumba Dos meus parentes distantes E que nem conheço. Minha referência é: Rimbaud Bukowski Bandeira Leminski Raduan Fante Miller Mas você, eu chamei de chato, Nas plagas das carteiras da universidade, E o mundo se irou e se vingou Dos meus versos, Abriu a abóboda celeste E mandou anjos vingadores Para o meu despejo da Polis. Minha referência É a nau louca com os personagens de Hieronymus Bosch, O profundo e o profano O analítico e o insano O céu rasgado em vermelha misericórdia Pela minha ousadia e razão, Tua estátua afogada pelo tsunami e devorada Pelos tubarões do magistério, Eu, entrando pela fissura do que não fenece, Mesmo com uma torcida grande Para que isso aconteça. Sabe, Drummond, eu mesmo poderia colocar O cigarro em sua boca, O colírio em seus olhos, Fazer uma festa e chamar o pobre José Que não comeu Maria Que não comeu Teresa Que não comeu Ana Que não comeu Débora Que não comeu ninguém, E ficar feliz por fazer uma poesia bonitinha, Para poder comer alguém, Qualquer uma, Mas sou chato como você, Drummond, E sonho em dormir com a Rainha De um reino que não é o meu E me foi negado Na mesura Do quarto apagado. Foi lá que o meu “eu” morreu, Drummond.

 

sexta-feira, 1 de março de 2024

Conto

 



CÍRCULOS 

Uma construção circular com quatro torres idênticas, sendo que a torre do leste fica exatamente diante da torre do oeste.
O mesmo se dá com as torres do norte e do sul.
Os moradores da torre do leste afirmam que a torre do oeste é apenas um reflexo da sua torre e os do oeste juram que a torre do leste é apenas o reflexo da sua própria torre. O mesmo se dá com as torres do norte e do sul.
O centro da construção circular é inteiramente ocupado pela água.
Esta água crê que é toda a água existente no mundo.
Os habitantes da Lua afirmam que a construção circular é apenas um ponto em meio ao Oceano.
Já os habitantes de Andrômeda sentenciam que a Terra nunca existiu.