sábado, 26 de março de 2016

O GRANDE DEUS PÃ de Arthur Machen

   Escrevi o prefácio para a edição brasileira do livro O Grande Deus Pã do escritor britânico Arthur Machen ,publicado pela editora Penalux e com tradução de Chico Lopes.
   Trata-se de uma obra do período decadentista da literatura inglesa, explorando o gênero gótico.
   É um livro instigante, que aborda o paganismo para explorar o lado obscuro das forças da natureza e os seus perigos. Também é um alerta a respeito do risco dos experimentos científicos. Racional e irracional se confrontam num jogo de luz e sombra.
   A história prende , fascina e é narrada de modo original. A enigmática figura de Helen atrai e horroriza os homens à sua volta. Uma série de acontecimentos misteriosos vai gerando uma situação cada vez mais inquietante.
   A participação do leitor é fundamental para montar o quebra - cabeça , tornando a leitura ainda mais interessante.
 
 

quinta-feira, 24 de março de 2016

OS ANCIÃOS ( novo trecho)

 Maior foi o choque devido a situação, intensificando o impacto, provocando fortes reações, medos.
   A mulher que chegara era Sadhak,mãe de Loth. Viúva, morava com ele e a filha. Não havia, portanto,necessidade de enviá-lo às Plantações.
   A comoção causada aumentava por tratar-se de um fato inteiramente inédito. E somado com o que se passava ali na casa vizinha trazia uma espécie de pavor consigo. O que estaria havendo em Sadira?
   Uma sensação ameaçadora começava a tomar conta de todos.
   - Quando foi isso?  questionou Ptah.
    Ela vacilou, temerosa, sem saber se respondia ou não. Depois arriscou:
   - Fui acordá-lo esta manhã e não o encontrei.
   Uma exclamação geral espalhou-se.
   - Procurei por vários lugares,esperei,chamei, voltei a procurá-lo. Nada. Ninguém o viu.- continuou.
   - Ninguém?
   Ela confirmou com a cabeça.
   - E ontem à noite?
   - Dormiu em seu quarto, como de costume. Sempre verifico, como deve ser.
   Pensativas, as pessoas calaram-se, sem entender o que poderiam significar tantas novidades em tão pouco tempo.
   Ptah arriscou:
   - Teria fugido?
   -Qual o motivo?  indagou Sadhak,ansiosa.
   A dor de Ptah parecia aumentar a cada palavra, torturando-o.
   - Precisamos procurá-lo. - disse alguém.- E com urgência.
   Muitos concordaram.
   - Uma parte deve ficar aqui e ajudá-los. - falou outro.
   Puseram-se a decidir quem ia e quem permanecia.
   Voluntários dividiram-se.
   - Por onde começamos?  quiseram saber.
   Um dos homens que assumira a liderança  ,manifestou-se :
   - Formaremos quatro grupos  ,um para cada uma das direções. Reunimo-nos daqui  uma hora em frente ao Templo para constatar o que descobrimos.
    Acharam que se tratava de uma boa ideia.
    Partiram.
   Na casa restaram apenas seis pessoas, além dos pais e do corpo do jovem Lelliah.


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   E 

quarta-feira, 23 de março de 2016

VOO

Fico a reparar
a direção
do voo dos pássaros.

Não estou
a buscar
guias ou bússolas.

O voo
tem vida própria.

(foto: Cleber Pacheco)

Jornal

Agora faço parte do Conselho Editorial do International Journal of English Studies and Literature.

terça-feira, 22 de março de 2016

Anjo

Um anjo contempla
a humana insanidade.

Ás vezes esboça
um sorriso,
 sacudindo amistosamente
suas asas.

(desenho: Cleber Pacheco)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Poema: Pluviômetro

Certos ângulos da chuva
revelam
configurações da cartografia dos ventos
a influenciar
a direção dos talos de grama
e da quadratura das sequoias.

Sempre que chove
recolho-me,
não para evitar
pneumonias possíveis ou resfriados.

Só a quietude
pode flagrar
o redirecionamento das seivas.

(foto: Google imagens)


domingo, 20 de março de 2016

OS ANCIÃOS ( continuação)

   Observando o caminho em frente à casa, Sekhmet viu uma aglomeração aproximando-se.Apertou os olhos claros tentando enxergar melhor, envolta por uma sensação estranha,aflitiva. Em vez de correr em direção às pessoas,entrou em casa,cobriu a cabeça com o véu da túnica,ajeitou o móvel e aguardou,dividida entre o desespero e a resignação.
   Suspirou.
   Uma tristeza a invadiu.
   No instante em que chegaram,ela os recebeu,ajudou a deitá-lo, verificou o seu estado sem dizer palavra.
   Os homens que haviam auxiliado já achavam esquisita a mudez de ambos.As mulheres,crianças e jovens começavam a entrar,formando um círculo ao redor do corpo .
   Nenhum sinal de ferimento existia. Nenhuma reação também. Ninguém conseguia entender. Um murmúrio espalhou-se pelo ambiente.
   A tensão dos pais era  óbvia.
   Um lamento ecoou.
   Cada vez mais pessoas chegavam tentando saber qual ocorrência causara tamanho tumulto, fato completamente incomum em local tão pacato.
   Os questionamentos aumentavam, intensificando a confusão.
   - Eu o encontrei no caminho e ele já estava assim  .- explicou Ptah.
   -E não havia  nada diferente por lá,nenhuma outra pessoa.-completou  o homem que os ajudara por primeiro.
   A dúvida só fazia aumentar. Como compreender o episódio se nenhuma explicação vinha à tona?
   Ainda calada, Sekhmet sentou-se ao lado do filho, passando a mão pelo seu rosto.
   As outras mães comoveram-se.
   - Quem sabe um dos rapazes viu alguma coisa. Seria bom perguntar a eles .-sugeriu alguém.
   -Teriam me falado. - contrariou Ptah.
   - Por que ele atrasou tanto?   quis saber um dos companheiros de trabalho.
   Sekhmet enfim pronunciou-se:
   - Ele estava ajudando numa pequena emergência.
   - Emergência?  repetiram todos.
   Ela voltou a calar-se.
   Nenhum deles jamais ouvira nada semelhante antes. Que espécie de emergência poderia ocorrer em Sadira ?  Simplesmente não fazia nenhum sentido.
   - Explique melhor. - pediram.
   - Não era aqui.  - limitou-se a dizer.
  - Onde?   insistiram.
   Antes de obterem a resposta, um ruído desviou a atenção de todos, fazendo-os se voltarem para a entrada.
   Agitada,uma mulher surgiu,provocando um novo tumulto.
   - Loth desapareceu. - gritou ela.


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sábado, 19 de março de 2016

CORPOS FURTIVOS de Chico Lopes

    Publicado pela editora Penalux em 2015, o romance CORPOS FURTIVOS de Chico Lopes nos revela o isolamento e a falta de integração efetiva entre as pessoas na sociedade contemporânea. Isso ocorre sob o ponto de vista feminino.
    Eunice vive oprimida pela vigilância neurótica da irmã Wanda. Mas arrisca-se a experimentar pequenos prazeres, que acabam sempre se revelando decepcionantes,aumentando o sentimento de frustração, de iso-lamento,de inadequação. O livro aborda o distanciamento gradual e crescente da personagem  e dos homens com quem ela tenta manter um arremedo de relacionamento. Ansiedade,melancolia,desejos eterna-mente insatisfeitos se acentuam. Os homens são grosseiros, cafajestes,incapazes de um gesto autêntico de afeto.
   Não há perspectivas na vida de Eunice. As situações constrangedoras se repetem, a busca pela satisfação é condenada ao fracasso, sem nenhuma possibilidade de ocorrer verdadeiramente. Restam-lhe pequenas desobediências e subversões,sem resultarem num autêntico prazer de viver. Nunca há troca,cumplicidade,compreensão. Para ocultar o vazio existencial, resta criar ilusões, romantizar possibilidades jamais realizadas, criar fantasias.
   As mudanças sociais acentuam a sensação de deslocamento,de corrosão interna, de sentir-se incompreendida  num mundo hostil e sem sentido.
    Se aparentemente surge uma oportunidade de mudança,vemos que esta também não se efetiva. É tarde demais, Eunice está presa a uma estrutura exterior incorporada internamente por ela e da qual já não é mais possível escapar.
   Romance inquietante, reflete muito bem nossa época de superficialidades, de incomunicabilidade, de desumanização progressiva.
   Recomendo.

sexta-feira, 18 de março de 2016

BABEL

Todos os discursos
e todas as palavras
em confronto.

Babel de vozes
cuspindo
mentiras multidimensionais.

Cega
é toda ideologia,
nunca muda.

(foto: Google imagens)

quinta-feira, 17 de março de 2016

BRASIL

   Estamos vendo o caos induzido se instalar no país. Não é possível defender nenhum partido político. Todos estão comprometidos.A imprensa é extremamente manipuladora e tendenciosa.As grandes corporações estão cheias de terceiras intenções. A Justiça age de modo duvidoso. Interesses estrangeiros escusos acompanham e possivelmente articulam a seu próprio favor.
   É preciso manter muita lucidez neste momento. É exigido que o discernimento seja mantido custe o que custar, sem mover-se por paixões desenfreadas. Período de desafio e cheio de riscos.
   O Brasil precisa se repensar.E isso deve ser feito com cuidado. Violência e ódio são péssimos conselheiros, não contribuem para melhorias efetivas.
   Que os brasileiros tenham discernimento para conduzir a situação com sabedoria.

(foto: Google imagens)

segunda-feira, 14 de março de 2016

OS ANCIÃOS ( NOVO TRECHO)

     Ambos o acudiram de imediato. Ele se encontrava estirado no chão, imóvel. Por mais que o chamassem, não retornava.
   Examinaram-no. Aparentava estar morto.
   O homem olhou Ptah com aflição,imaginando o desespero do pai e voltou a procurar por sinais de vida.Nenhum.
   Uma desgraça teria ocorrido?
   Após um tempo, dois outros homens vieram até eles, apressando-se ao verem a cena preocupante.
   - O que houve com ele?  perguntaram .
   Ptah limitou-se a fitá-los em silêncio, incapaz de falar e reagir.
   - Vamos até o povoado  .-decidiram.
   Pegaram o jovem nos braços e o carregaram com cuidado. Ele permanecia inerte, a cabeça levemente caída, os cabelos castanhos desalinhados, o corpo frio.
   Recusando-se a pensar, Ptah sentia o peito oprimido, cheio de pressentimentos assustadores. Já imaginava a chegada, a reação da mãe, o pavor tomando conta dela.
   O pequeno grupo deslocava-se rapidamente, tentando ter alguma esperança, vislumbrar ainda uma possibilidade.


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quarta-feira, 9 de março de 2016

OS ANCIÃOS ( continuação)

   Ptah começava a preocupar-se. Onde estaria o filho?  Estava atrasado. Os demais já haviam trazido o almoço e encontravam-se sentados junto a seus pais, conforme o costume. Estranhava tanta demora. O que teria acontecido?
   Ficou inquieto e levantou-se.
   Os outros o olharam, percebendo e entendendo sua inquietação. Um dos companheiros manifestou-se, perguntando:
   - Vai procurar Lelliah ?
   _ Sim, vou.
   - Posso acompanhá-lo, se quiser.
   -Está bem.
   Juntos avançaram, tentando descobrir qual seria a causa da demora. Nunca ocorrera nada parecido antes. Uma certa tensão podia ser percebida. Caminhando rapidamente, Ptah pensava retornar ao povoado, chegar em casa,questionar a esposa. Uma falha tão grave por certo teria comentários e consequências  em todas as moradias e o casal acabaria por tornar-se alvo de reprovações,passando por transtornos. O pior, no entan-to,caberia ao seu filho. Tinha de evitar o problema.
   Ao avistá-lo caído, teve um choque.


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terça-feira, 8 de março de 2016

Conto: GÊNESIS

Eis que esculpiu quatro planetas.
O primeiro,de puro ouro, era uma joia de fina lavra.
O segundo, de cristal, refletia todos os matizes da luz.
O terceiro era de mármore,mas tinha a delicadeza de um ovo Fabergé.
Pessoas de todas as partes do mundo iam até lá para assombrar-se com tamanho talento.
E os planetas,que despertaram tanta admiração e pasmo,foram disputados pelos mais refinados colecionadores e exigentes museus.
Restou,com o escultor,apenas o planeta de argila,o único a não suscitar nenhum interesse.
Se observado sob uma lupa,revelava-se em detalhes,sendo possível ver,inclusive,um livro com os sonetos de Shakespeare.
Às vezes o escultor contemplava  a sua obra, enquanto raios de sol ou reflexos de lua pousavam sobre ela.
Guardando silêncio,viu que tudo era bom.

( foto: Google imagens)

segunda-feira, 7 de março de 2016

Cavidade

No coração
do mundo
a caverna
inaugura
o arcaico.

(foto: Cleber Pacheco)

quarta-feira, 2 de março de 2016

OS ANCIÃOS (continuação)

  
 Não, não fazia ele de má vontade o percurso para chegar até as Plantações levando o almoço ao pai. O que realmente o cansava era repetir todos os dias as mesmas coisas ou mais especificamente, as estreitas limitações daquela vida. Nenhuma outra possibilidade parecia existir. Jamais poderia queixar-se dos seus pais, do comportamento deles. No entanto, perturbava-o a acomodação e, pior, o contentamento deles  em seguir com o modelo idêntico ao de todas as outras famílias do povoado.  Demonstravam verdadeiro prazer nas restrições tão pobres impostas e adotadas pelas pessoas. Descontentava-o submeter-se  como os demais. Irritava-o até. Por isso tinha um plano para aquela noite. E a aventura seria compartilhada com o seu melhor amigo, da mesma idade, Loth.
   Ele entendera e ficara entusiasmado com a ideia. Teriam de esperar a madrugada e agir às escondidas, pois não podiam ser descobertos. Durante o dia seria impossível. Seu coração  batia mais forte só em pensar na ousadia do projeto. Sentia-se mais vivo também. E tais sensações o impulsionavam a agir, correr riscos.
   Chegava perto já e em breve avistaria os grupos de trabalho.  Além ficava a Floresta Petrificada, o lugar mais distante onde pudera ir,acompanhado de adultos,obviamente.
   Ia iniciar a subida que ocultava, do outro lado, o grupo atarefado em cuidar das plantações,quando uma sensação incomum o invadiu,uma espécie de tontura, crescendo até tornar-se vertigem, desorientando sua visão,dominando-o por inteiro, dissolvendo a paisagem.
   Tudo foi ficando vago e distante,dilacerando a solidez das coisas,intro-
duzindo-o no Indeterminado.
   Sem poder resistir, simplesmente caiu e perdeu os sentidos.



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terça-feira, 1 de março de 2016

Ilusões Perdidas de Balzac ( parte 2) Reading in Process

Concluída a leitura do primeiro volume (resta o segundo,um tanto menor), cabe dar sequência aos comentários a respeito de Ilusões Perdidas, de Balzac.
   Depois de dificuldades iniciais, aos poucos o personagem Lucien vai conhecendo,cheio de pasmo,como a cidade de Paris funciona.Na verdade,  consegue ir entrando nos bastidores da vida política e cultural   daquele meio, fato simbolizado pelo seu percurso nos bastidores do teatro.Ele fica espantado por encontrar um ambiente tão diferente daquele visto no palco e acha a realidade aterrorizante. Com essa engenhosa passagem do livro, Balzac mostra que Paris é um jogo de aparências e ilusão,ocultando uma realidade perversa de jogo de interesses:
   " Já havia duas horas que, aos ouvidos de Lucien,  tudo se resolvia com dinheiro. No mundo do teatro quanto no da livraria,no da livraria quanto no do jornal, nada de arte ou glória.Os grandes golpes do fiel da balança da Moeda,repetidos em sua cabeça e em seu coração,martelavam-nos."
   No entanto, um profundo aprendizado não ocorre. Ele se deixa levar pelo triunfo fácil,obtendo êxito momentâneo. Imaturo, ambicioso, seu período de glória é fugaz, pois vai sendo manipulado por grupos aparentemente rivais.Esses grupos,na verdade, arquitetam a derrocada de Lucien. Sem habilidade para lidar com esse jogo cruel, a derrocada ocorre rapidamente. Ele,então,prepara-se para retornar a Angoulême.