segunda-feira, 29 de setembro de 2014

conto: TEMPESTADE

   A escuridão alastrando-se pelo selva anunciava que tempestade e problemas chegariam em breve.E realmente chegaram.
   O grupo olhou em volta em busca de abrigo. Nenhum. Apesar de estarmos encobertos pelas árvores,ficaríamos encharcados ,atolados na lama,correndo o risco de nos perdermos,o que poderia ser fatal.
   Todos olharam para Malcolm,centro das preocupações e esperanças.De todos,ele era o melhor,o mais gentil.As mulheres estavam encantadas por ele.E nós,os homens,apesar de um certo despeito, acabávamos por respeitá-lo e ouvi-lo,seguindo suas sugestões.Naquele ambiente hostil era fundamental manter a confiança em alguém e Malcolm era,sem sombra de dúvida, uma pessoa confiável .Suas ideias já haviam evitado alguns desastres nos dias anteriores.
   Desabando o aguaceiro,tivemos de caminhar com lentidão.Mal conseguíamos enxergar um ao outro.Eu bem que havia lido a respeito de chuvas em florestas tropicais.Estávamos de fato encrencados.Nós seis poderíamos ter sérios problemas dali em diante.Tivemos.
   Malcolm tomou a dianteira e foi nos guiando cautelosamente.De algum modo  sabia quais eram  as escolhas certas.Parecia conhecer tudo à nossa volta,embora nunca tivéssemos estado ali.
   Intensificava-se cada vez mais a tempestade e fomos obrigados a recuar.
   Em sua inesgotável gentileza, Malcolm quis abrigar-nos.Deu um passo e desapareceu num sumidouro.Em pânico,só tivemos tempo de segurar uma de suas mãos.Juntamo-nos para puxá-lo de volta,utilizando toda a nosso empenho.A mão dele escorregava e já víamos a hora em que iríamos perdê-lo para sempre.Gritando e fazendo força,conseguimos trazê-lo de volta.
   Só que não era Malcolm.Foi com horror que olhamos e,no lugar dele,vimos à nossa frente uma medonha  criatura avançar em nossa direção.Sem entender nada,cada um correu para uma direção  tentando escapar.
   Inútil.
     Os dias passaram,a tempestade continua,a selva é infindável , sou o único sobrevivente.
    E  agora só me resta odiar Malcolm.

(Imagem do Google)
 
 
 

domingo, 28 de setembro de 2014

Primavera


No âmago da nudez
o frio deposita
seu pólen.

A  primavera
trai
a terra
e retorna
ao nada.

(Foto de Cleber Pacheco)





sábado, 27 de setembro de 2014

VERBO (III)

Calar-se é um modo,
talvez em avesso
de tecer o todo
em seu descomeço.

Acatar o desplantio
que a fome acrescenta
é ingerir o vazio
que o deserto alimenta.



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

OUVIR

Qualquer ruído
sempre remete
a um sentido
que logo comete
suicídio.

Em seus despojos
repousam restos
tornados relógios
não raro molestos,
embora em estojos.

O que renasce
tem outro tom,
muito rapace
ou mero som
escavando uma face.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O Gato Juarez, de Marisa Miras

   Nunca me canso de dizer que admiro escritores de livros infantis.É um gênero difícil  em que se pode escorregar facilmente.
   A autora Marisa Miras se sai bem em sua empreitada.Seu livro "O Gato Juarez" publicado pela Scortecci Editora , com divertidas e coloridas ilustrações de  Mauro Freitas.
   Utilizando versos e rimas para contar a história do gato malandro,Marisa torna o texto leve e fluente,atrativo  para as crianças e divertido.
    Um bom modo de incentivar a leitura dos pequenos.
    Recomendo.
    Marisa é de Jacareí e tem outros livros publicados.
   
 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

MEDALHA DE OURO

 Premiação referente ao meu livro de Crítica Literária  A ARTE POÉTICA DE ARICY CURVELLO. Uma segunda edição ampliada estará a caminho no próximo ano.

sábado, 20 de setembro de 2014

NEXUS

No desencontrado,
o insípido-incolor
faz-se gosto e cor,
mas dum modo desbotado.

O movimento,
se inventa o visível,
torna o sensível
esquartejamento.

Recebendo,devolve
injúria e conselho
em coloidal espelho
que nunca se dissolve.

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

POSSE

Tenho nada
e é tudo.
É dele,o grilo,seu salto
na relva;
é dela,a relva,seu verde,
o sumo;
é dela,a terra,
a que sustenta;
são deles,os olhos
vítreos do nada.
Quando calo,consinto.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

MAR

Sereia e monstro
oferta
o mar
em seu reino de abundâncias.

Superfície e abissal
promete
o mar
em pasma geografia.

Vida e morte
propõe
o mar
em mortalha inconsútil.

(arte de Cleber Pacheco)

]


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Saxífraga

Entre pedras,
espinhos,
gravetos,
um rumor
de pétalas
se anuncia.

Não raro
jardins nascem
nos muros
mais improváveis.

domingo, 14 de setembro de 2014

VIAGEM AO FIM DA NOITE,de Louis-Ferdinand Céline

    O romance Viagem ao Fim da Noite é,de fato,uma obra-prima. Pessimismo da primeira à última página."O pessimismo" como disse alguém, "nunca nos decepciona."
   O absurdo da vida.Nenhum sentido.Nenhum propósito.Nada que possa nos salvar da miséria humana,do sofrimento,da sordidez,da mediocridade. Céline não é condescendente com nada. A guerra,a política,o capitalismo,o colonialismo,o dinheiro,a arte, a religião, o amor,a loucura.Não há escapatória.Tudo é inútil.Tudo gira em torno das mesquinharias da sobrevivência a qualquer custo.O mundo não passa de estrume e vômito. A humanidade é cruel e ridícula.
   "O grande cansaço da existência talvez seja apenas,em suma,esse enorme esforço que fazemos para mantermos vinte,quarenta anos,mais,o bom senso,para não sermos simplesmente,profundamente nós mesmos,quer dizer,abjetos,atrozes,absurdos."
  A frase,de certo modo,sintetiza o romance.
   Trilhando um caminho oposto ao de Proust,não há aqui frases refinadas,elaboradas,elegantes.O inferno de Céline é a própria existência.Viver é o inferno.Daí uma prosa crua,desiludida,mas ao mesmo tempo,com um humor corrosivo,ácido,atroz.
    O final, magistralmente escrito, não apresenta um caráter trágico,mas patético.Não há esperança.Não há saída.A noite engole a todos irremediavelmente.
   

sábado, 13 de setembro de 2014

PRÊMIO

 Meu livro de crítica literária A ARTE POÉTICA DE ARICY CURVELLO foi premiado com a Medalha de Ouro pela Academia Brasileira de Pesquisas Literárias.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

LUZ

Não raro a luz se esconde
ao não se esconder,
exposta,
lume a vibrar
no ofício das trevas,
desbravamento
do explícito
na obscuridade do óbvio.
O ter que tem
de não ver
a qualquer custo,
tatear de cegos
na claridade
nua do dia.
Olhos de ver
que não veem
por temer
a limpidez do lúcido,
olhos comidos do rancor
a esmagar o visível,
ignaro a verter torpor
nas veredas do nítido.
Não raro
o arranhar de retinas
é prenúncio
de insuportável aurora.

(foto de Cleber Pacheco)






terça-feira, 9 de setembro de 2014

LINGUAGEM

"Isso não existe",
disse minha mãe
quando revelei
que as árvores
me contavam coisas,
que as flores
falavam comigo
e que sussurravam
segredos as plantinhas rasteiras.
"Isso é imaginação sua",
disse minha avó
ainda às portas da morte,
"estou chegando ao meu fim
e nenhum espírito
veio me buscar",
declarou cruamente,
reiterando mais uma vez
o costumeiro ceticismo.
"Isso é apenas loucura",
comentaram os vizinhos
em sua habitual condenação.
"Nunca leve em conta
a insensatez humana",
afirmou toda a flora
enquanto trazia à tona,
entre os segredos da floração,
mais uma rosa.

domingo, 7 de setembro de 2014

CONVIDADO

Sente-se.Você é meu convidado.
Minha casa está cheia
de goteiras
e há sempre
uma gota caindo
em cima da minha cabeça.
Mas sente-se.Você é meu convidado.
Minha mobília
está toda quebrada
e as cadeiras
têm apenas três pernas.
Mas sente-se.Você é meu convidado.
O tapete está gasto,
foi comido pelas traças
e meu pés estão cheios
de calos.
Mas você é meu convidado.
Não tenho comida ou água
para oferecer
e minhas contas não foram pagas.,
mas sente-se.Você é meu convidado.
Minhas palavras foram extintas
e tive de vender
o meu último dicionário.
Mas sente-se.Você é meu convidado.
O fato
é que eu morri
três dias atrás
e já começam,
minhas carnes,
a ficarem desbotadas.
Mas sente-se.
Você é meu único convidado.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

FORMA

Não é rígida a forma,
é flexível,curva,
massa que se molda
na culinária do vivo
.
Para o vivo
tudo é fornalha
a moldar o amorfo,
pão fermentado
nas  catacumbas
do imaculado  deletério.

É vazia
a forma e se preenche
na fome do impossível.

(foto de Cleber Pacheco)


quarta-feira, 3 de setembro de 2014

novo prometeu

Doente o fígado,
devoram-me
olhos,ouvidos,língua,
coração.
Não só abutres:
harpias,erínias.

Tenho a chama
em minhas entranhas.
Não conseguirão
macerá-la.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Microconto

MITOS MODERNOS: Os Mistérios da Eleusa

Ela foi iniciada em surrupiar o cartão de crédito do marido,passear pelo shopping com as amigas e conhecer as melhores grifes.Quando comprou um home theater,sentiu-se entre os deuses do Olimpo.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Alma

O amor guarda
uma pedra
entre
os dentes.

A alma
não rumina
palavras,
apenas seixos.

Crescem
muros
ao redor da sombra.

(arte de Cleber Pacheco)