sábado, 31 de março de 2018

Nação

O país crucificado
em angústia e ganância
expira em agonia.

Vertem suas veias
o sangue dos danados
que o ódio veneram,,
as delícias da infâmia aclamam
em fúria ,som, desgraça.
Agoniza o país dilacerado
em mortes que viralizam,
em silêncios de Pilatos,
em beijos de tantos Judas
em miséria e cacofonia.
Expira o país em lamúria,
terra devastada e insana,
onde só progridem
roubo,traição, farsa.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Via Crucis



Morrer,a arte suprema
das travessias,
avesso  do convexo
onde a claridade convoca
as agruras do Enigma,
cavidade onde nasce
a aurora circunscrita
 na carne do intangível;
no cerne do improvável,
reversão de Estigmas.

(pintura: Salvador Dalí)




terça-feira, 27 de março de 2018

Dilema



Uma só gota
não remove ou avaria,
não marca memória,
nem nada anula.

O aguaceiro,
se destrói e arrasta,
nada nega
que já silente não fosse.

sábado, 24 de março de 2018

Tempo



Arqueólogo do Impossível,escrevo
as curvaturas do Universo,
desvendo
as fundações do Presente
atando
abismos de Prístina Luz.
Escriba do Indizível,
crio
as iluminuras do Agora,
escrevo
no idioma do Eterno.

(imagem: Google)

sexta-feira, 23 de março de 2018

Sol

 O Sol acende
o rumor das coisas,
atinge o ígneo
de cada nome,
incinera silêncios,
clamores cresta
em volúpia
de fartura e fome.

Cada coisa,
se insalubre,
reluz e arde
em pureza  infecta,
tornada arte,
estranheza e rito,
aniquilada e ressurrecta.
aniquilada e ressurrecta.

(foto: Cleber Pacheco)







quarta-feira, 21 de março de 2018

Resenha


 
 Há algum tempo recebi uma caixa de livros do escritor Rafael Bán Jacobsen. Primeiro li o seu romance SOLENAR, que achei muito bem estruturado ao narrar uma situação trágica. Pouco depois li este UMA LEVE SIMETRIA, publicado em 2009 pela não editora de Porto Alegre.
 Demonstrando mais uma vez domínio narrativo e de linguagem, Rafael novamente conta uma história com aspectos trágicos, agora ambientada na cultura e religião judaica, mas que é,no fundo,universal.
 A simetria do título ocorre em diferentes níveis: no relacionamento do pai do personagem Pedro que será descoberta a certa altura, na ligação entre o caso de pai de Pedro e o relacionamento de Daniel com seu amigo Pedro e,ainda, na história de Davi e Jonatã,do Antigo Testamento.
 Dividindo os capítulos de acordo com as letras do alfabeto hebraico, a narrativa vai mostrando o desenvolvimento do interesse de Daniel por Pedro e as diversas consequências ocorridas a partir do momento em que os sentimentos ocultos são expressos. A partir daí,nada mais será o mesmo. Sentir e,mais do que tudo,dizer o que se sente, desencadeia reações que se tornam cada vez mais pesadas,agressivas,conflitantes,difíceis.  Até chegar ao final patético próprio das grandes tragédias em que o irreversível se faz presente e define os rumos das vidas de todos os envolvidos.
   Um texto belo,corajoso, tocante,sem  dúvida. O autor consegue ser poético sem ser piegas. Vasculha as emoções humanas com sensibilidade e cuidado,evitando os maniqueísmos. 
   O livro revela um escritor maduro e capaz de criar um caminho próprio muito interessante em termos de Literatura do Rio Grande do Sul e Brasileira. Em suma, um autor cuja trajetória merece ser acompanhada com atenção e interesse. 
 

segunda-feira, 19 de março de 2018

Velho Beethoven


A ti,velho Beethoven,
não só os mistérios
da orquestração;
sobretudo,a essência do sonoro,
o vibrar que a tudo move,
a luz no escuro do acorde,
o íntimo da nota
que cala e acende
o âmago das coisas,
a reminiscência do inencontrado,
o calar da anagnórise,
o redescobrir da enteléquia,.
Beethoven,
teu ritmo é o átomo
do que não poderia ser
e,no entanto,é.
Tua força sobrepuja
o inviável e faz,da vida,
o lugar do possível.
Tua miséria é a nossa,
a dádiva que te tornou,
aquele que tocou,
por um instante,
o átimo da perfeição.
(imagem: Google)

domingo, 18 de março de 2018

Poema em língua inglesa

Protest
You say I should not exist
and my breathing is a protest.
No cry is necessary,
no words need be pronounced.
When my eyes see,
they sow sparks through the darkness.
You say I'm useless
and my silence announces great challenges.
I use my broken fingers
to feel the unusual and the unknown.
I use my bleeding wrists
to water the roots of the mystery.
You say I should die
and my heart whispers invitations.
I should not be here,
I should not have a face,
but my hands are growing
toward the Infinite.
I know everything you say.
and then my insignificance
ignites the hearts of stars.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Bharatanatyam

Além do abismo,
o movimento,
o que conta e tece
revestindo de gesto
o anônimo.

Da velha Índia
a forma
que redefine o mundo
na gênese do Caos.

O corpo,a mudra
na aparição
do instante.

(Desenho: Cleber Pacheco)

terça-feira, 13 de março de 2018

Resenha



   Inspirado em Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis e no famoso delírio narrado no referido romance,, o escritor Cláudio Parreira escreveu uma paródia que vai além da mera paródia : o romance A Lua é um Grande Queijo Suspenso no Céu, editora Penalux, 2017
   Brincando com a ideia  de um autor defunto ou de um defunto autor, Parreira nos remete aos antigos romances,com títulos de capítulos enormes, que sintetizam os acontecimentos ali narrados, como era de praxe no século XVIII e XIX, mas nos remete à irreverência do Modernismo, por vezes nos fazendo lembrar de Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade. No entanto, Serafim parodiava os diferentes estilos e gêneros literários, como Diário, Carta, etc, mesclando uma linguagem parnasiana, criticada e execrada pelos modernistas e a linguagem mais popular, unindo o elevado com o vulgar, como o nome do navio onde Serafim viaja: Steamship Rompenuve.
   Parreira vai ainda além, pois utilizando com habilidade palavras,palavrinhas e palavrões, cria uma linguagem própria , colocando em xeque a Literatura, a Vida e a Morte, questionando o próprio fazer literário, o sentido da vida e o significado da morte.
    Durante a leitura, deparamo-nos com o realismo, com o sobrenatural próprio dos romances góticos, com um arremedo de romance espírita, com o gênero fantasia, tão em voga atualmente. Misturando tudo, o personagem vai em busca da Panaceia Universal, utopia dos antigos alquimistas que buscavam a cura para todos os males. O resultado final é revelador da proposta do livro, mostrando que aquilo que parecia ser só uma brincadeira traz uma visão contundente a respeito da existência humana. O riso revela nossas fragilidades, nossas expectativas, as angústias próprias de nossa condição e,em particular, as agruras de todo escritor. É um riso que faz pensar.Como já disse alguém, não há nada mais trágico do que a comédia. Grande verdade.
   Ao leitor cabe não apenas a diversão, mas  refletir e ser refletido neste jogo de espelhos meio borgeano que o livro nos propõe. 
   
   

segunda-feira, 12 de março de 2018

Caronte


Não preciso que me digam
quantos dormem sob a terra,
fui eu que coloquei
moedas sobre seus olhos.

É inútil traduzirem
lamentos e litanias,
fui eu que escandi
a assimetria dos versos.

Tempo perdido invocar
aparições e avantesmas,
a vida só fossilizou,
nas entranhas, a ausência.

sábado, 10 de março de 2018

A Arte dos Espelhos (III)


Quem vê e o visto
realizam mesma entrega,
encontrando,no misto,
um receber que cega
o desencontro e encontra
um novo olho e mira
que enfim descentra
presente e agora
em reunião dispersa
na sincronia do ponto,
expansão inversa
do retornar ao porto.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Leitor



O leitor Jorge Olimpio Gonçalves comenta meu livro ENTES:

Caro Cleber Pacheco, perdoe mas rabisquei bastante o teu livro.
Como faço sempre, fico sublinhado as passagens que mais me encantam nos livros que leio. À medida em que devorava as páginas de ENTES, capitulei! 
Teu livro é puro encantamento.
As palavras que recriaste, a supressão de alguns conetivos causam estranheza, a princípio, depois fluem beleza.
Parece até que a história foi escrita por um ser de outra galáxia. Alguém que aprendeu nosso idioma por telepatia ou, outro método mais surpreendente. A magia fez-se!
Nem sabia se lia ou, eram os ENTES que liam minha alma tal a surreal magia que salta das palavras reinventadas que vicejam no teu romance repleto de lirismos.
Houve momentos, enquanto lia, essa fantástica aventura, em que as personagens, não gente, pareciam deslizar pelas páginas do livro em diminuta proporção. Depois, saltavam precisas para o nosso imaginário.
Enfim, meu caro Cléber Pacheco, tens o brilhantismo dos grandes mestres Contadores de Histórias.
Histórias que nos envolvem, hipnotizam e nos transcendem para um universo além do além.

terça-feira, 6 de março de 2018

Poema


Tudo,todos,redor.
Circunferência de ritos.
Intersecção.
Ao redor tudo compensa,requer.
Ao redor as coisas espumam vertentes,reflexos.
Ao redor, desmistificação de mapas.
Todo local é quadrante.




domingo, 4 de março de 2018

Resenha


   
   Hoje em dia não são muitos os escritores que trabalham a linguagem em vez de se utilizarem de um texto simplista para facilitar a vida do leitor.  Por isso aprecio especialmente aqueles que evitam o seu empobrecimento, demonstrando,ainda, domínio sobre a arte das palavras. É o caso de Alberto Lius Caldas neste belo romance VENEZA, editora Penalux, 2016.
   Trata-se de um livro com um estilo barroco, repleto de significados. Veneza, cidade do belo, assenta-se sobre a sua própria miragem, flutuando sobre águas sujas e limosas. Como uma flor de lótus, que nasce em águas lodosas e permanece como símbolo da  pureza, a cidade é um contraste entre o ideal de beleza e do sublime e lado obscuro da vida humana. É um romance que se desvencilha das aparências para revelar o aspecto sombrio da existência sem, no entanto,perder de vista o ideal que nos leva a seguir adiante e trilhar caminhos em busca do inalcançável.
   A história remete aos romances libertinos do século XVIII,mas não é isso. Simula ser uma história de aventuras e também não é. Parece relato de viagem e subverte as regras do gênero. Poderia ser um romance de formação e vai muito além.  VENEZA é um livro labiríntico. Uma jornada de ilusão e desilusão que destitui as cômodas classificações. Há uma busca que nunca chega a alcançar resultados, ao menos não aqueles que preencheriam as expectativas do personagem e do leitor. O texto transita pelas incertezas, pelas frustrações. Beleza e prazer são miragens que resultam em sabor amargo. Ainda assim o autor evita o tom trágico. Trata-se mais de um despojamento, de um desnudamento onde as diversas máscaras vão caindo uma a uma, revelando o vazio de qualquer empreendimento humano:
     Sendo feita de água,de areia,de lama,de vento,de bruma não é jamais uma cidade apenas.A minha Veneza está sempre entre esses muitos que fui,os muitos que sou e as ilimitadas metamorfoses das suas substâncias vaporosas.E na multidão de todas essas faces continuamos a ter um rosto.Todos feitos de spro e sonho de mar. 
   Em suma, trata-se de um livro para quem aprecia escrita de qualidade e boa literatura.
 
   

quinta-feira, 1 de março de 2018

Verbo


São estranhas as palavras,
até sentido fazem
se cultivadas,
num cultivo que é,de fato,poda,
germinar de semente
entre pedra e espinho,
nem sempre gerando
canteiro e jardim,
só escura terra basta
na intimidade dos desígnios,
daninha erva que se veste
mais que Salomão e lírio,
fulgor do vulgar,carinho
da vegetal escória,abismo
de esporo, rizoma e lume.

(foto: Cleber Pacheco)