terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Genealogia


Toda ave existe
se reiterada a recusa,
sói ser extraída
de ancestral miséria.
Recuando à hora
em que foi recuada,
do que mais carece
toda ave evacua:
o seu próprio corpo
ao invés de espécie.
Toda ave busca
sua consistência
recuando à hora
de sua abstinência.
Fatalmente sabe
ser a sua rota,
sistemático insistir
daquilo que é remoto.
Só a ave sente
qual é o seu modo:
ser sua involução
fatal fardo.

(imagem: Google)


domingo, 26 de fevereiro de 2017

Nova revista cultural


   A revista SCRIPSI é um projeto cultural Entre Portugal e Brasil. Literatura,arte e filosofia são a temática.
Neste primeiro número, há ensaios,traduções,contos,desenhos.
   Revista de alto nível que já começa com grande sucesso.
   Publico textos literários e artes plásticas. Também faço parte do Conselho Editorial.
   Pouco a pouco convidaremos autores e artistas para enviar seu material.
   Para acessar , ler e fazer subscrições,é só clicar o link abaixo:

   https://joom.ag/S88W

sábado, 25 de fevereiro de 2017

Criptografia



Não leio jornais,
mas as folhas das árvores,
as areias do deserto,
o percurso da seiva e das dunas,
a corrosão das formas
destilando o ossário do vivo.
Leio,das aves,as vísceras,
a sua predisposição eólica,
a filigrana das plumas
na expansão do ignoto.
Releio os caracteres do mundo
em sua crosta mimética,
as funduras dos abismos,
a antiguidade das crateras
a escavar as veias do vivo
em ramificação e fluxo
a vislumbrar a transfusão do íntimo
ao calígrafo de tudo.

(imagem: Google)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

A Arte das Coisas

 Quando uma coisa provoca,
provoca sem ruído,
escava uma toca
e resolve o seu sentido
e então mais choca
por ter se convertido
em longo fio e roca
que anunciam um tecido
que revela como é oca
a veste com que é vestido.

Quando uma coisa revela
o seu modo combalido,
sem mais esta nem aquela
reconhece o seu sentido,
pinta uma aquarela
a partir do próprio olvido
e descobre como é bela
 a cor do desconhecido.

Quando uma coisa inaugura
o seu jeito repetido,
torna-se mais pura
para ter maior sonido,
convertendo a curvatura
em algo estendido,
preenchendo a partitura
com o ângulo perdido
em suave arquitetura
de som e de sentido. 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Poema


A ARTE DE VIVER

Viver é arte
que aceita corte,
coar a parte
escoada da morte.

Viver é a arte
do reparo,
cicatriz da parte
justo no amaro.

Viver é a arte
de enganar o engodo,
desatar da parte
no todo.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Nuvem


Suspensa no ar
mais que mera imagem
ou sopro de vertigem
mais que é ou possa estar
tudo nela irá verter
(aquilo que foi compondo
enquanto não era quando)
tudo que tem ou possa ter

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Resenha


    AS MEMÓRIAS DO LIVRO de Geraldine Brooks


   Publicado no Brasil pela Ediouro em 2008, As Memórias do Livro de Geraldine Brooks tem uma estrutura narrativa interessante. A personagem Hannah Heath,que é restauradora, é convidada a trabalhar num antigo manuscrito religioso judaico, uma Hagadá.  Esta se difere das outras obras do gênero por conter instigantes ilustrações, o que é incomum. Hannah descobre alguns indícios nas páginas do manuscrito e começa a investigar cada uma delas. À medida que estes surgem,há uma capítulo dedicado a cada um deles,  recuando cada vez mais no tempo,contando os episódios que envolveram as personagens que tiveram contato com ele.
     Inspirada em fatos reais e fazendo ficção, Geraldine vai construindo um romance que vai se tornando cada vez mais interessante à medida que avança. Ela consegue retratar bem os períodos históricos e a narrativa tem suspense,prendendo a atenção do leitor.
   Até o final a trajetória da Hagadá tem muitas reviravoltas, trazendo à tona uma reflexão a respeito dos livros antigos,da cultura,dos costumes, dos preconceitos.
   Uma ideia bastante original, apesar de não ser uma obra-prima.

 

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Limite


Além da treva
há certa claridade,
se aurora não é,
também não é tarde.

Além do deserto
brota uma erva,
se o estéril não acaba,
também não conserva.

Além do desencanto
resiste um fardo,
se morte não é,
também não é parto.

(foto: Cleber Pacheco)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Enigmas


FOME


   Um homem caminhando num pomar.Encontra uma laranjeira e,nela,uma laranja.Sem casca.Colhe-a.Abre-a.A casca é por dentro.Come a laranja.Fica com a casca.Precisa comer a laranja.



 PRESENÇA

Terreno baldio.Cai uma bola.Entre o vazio do ar e do chão,opta por quedar-se,muda.Não alça aos céus.Não toca o chão.Para sobreviver,encarna  em seu corpo de esfera.Eis a sombra.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


Não preciso que me digam
quantos dormem sob a terra,
fui eu que coloquei
moedas sobre seus olhos.

É inútil traduzirem
lamentos e litanias,
fui eu que escandi
a assimetria dos versos.

Tempo perdido invocar
aparições e avantesmas,
a vida só fossilizou
nas entranhas a ausência.

(foto: google imagens)



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Tradução


Madhumita Ghosh é poetisa e editora da Índia. Seus poemas têm sido amplamente publicados em e-books,revistas,jornais ao redor do mundo.
   Ela é autora de quatro livros de poesia : For All You Lovely People, Pebbles on the Shore, Flowing with the River e My Poetry My Voice, além do livro de crítica literária  William Blake: A Prophet for Mankind.
    Esta é minha tradução:

Sozinha,Sento-me

Em áspero pedregulho
Abandonado numa ilha,
Simples palmeira por companhia,
Sozinha na praia
De vasto mar a estender-se.

Dorme,tranquilo,o mar
Em envolvente nevoeiro coberto
A espalhar-se através do éter,
Mar e céu se fundem.

Um consistente vazio
Olha para além de mim
Tudo sabendo enquanto
reúnem-se tempestuosas nuvens no oeste.

É só
Breve espera
Dorida e paciente espera,
Tudo ficará bem outra vez,
Eu sei.

(foto: Google imagens)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Esquecimento


Esqueci os sons das palavras,
como consultar os dicionários,
os nomes das borboletas.

Hoje vigoram os ruídos,
 os mergulhos dos afogados,
a estridência dos espectros.

Será preciso reconstituir
a ingenuidade da ortografia,
os resquícios dos pergaminhos,
a criação do alfabeto.

Só então poderei nomear
as flores fecundadas no silêncio.

(imagem: Google)


 





segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Mundos Paralelos


   Num dos mundos jogou xadrez e ganhou, no outro perdeu,num outro ainda,empatou,num deles a partida foi adiada, num outro bem diverso jogava xadrez consigo mesmo, num mundo remoto os indianos ainda inventavam o jogo de xadrez.
   No mundo além dos mundos, olhava para isso sabendo que tudo não passava de um grande jogo Cósmico.

(imagem: Google)
 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Eco


Tudo está no lugar
de uma outra coisa.
Tudo substitui
uma coisa que não pode
ser substituída
e que nunca acontece.
Todo corpo é sombra
do que não tem corpo.
Todo pensamento é mímica
do que nasceu mudo.
O mundo é só uma esfinge
isenta de enigma.

(imagem: Google)

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Dimensão


Os olhos do felino veem
as franjas do invisível,
mesmo quando sonham.
Ainda que indolentes,
os olhos do felino vasculham
desconfianças escavadas
na indocilidade do impalpável.
Ninguém pode adivinhar
o que jaz sob suas pálpebras,
o que fere a constituição das coisas,
o que reabilita a aspereza da carne,
mesmo a mais flácida.
Os olhos do felino convergem
para o astuto e doam córneas
ao inverossímil, não raro abrindo
portas hermeticamente  lacradas.
Os olhos do felino abençoam
a fina ossatura dos silêncios.

(foto: Cleber Pacheco)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Poemas breves



MUNDO

Há sempre alguém se apaixonando,
há sempre alguém morrendo,
há sempre uma unha encravada
nas mãos do poeta.

ENCONTRO

Desculpe-me pelo atraso.
É que morri às seis da tarde
e perdi o horário.

LER

Mundo impresso
no avesso
do esquecimento.

(pintura: Almeida Jr).

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Nataraja


Meu corpo é a Arca de Noé;
Minha mente, a Arca da Aliança,
na coreografia de Shiva Nataraja,
dança que abarca
improváveis infinitos.

(imagem: Google)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Vaticínio

Certas manhãs desperto
com o estalar da ratoeira.
Sei que naquele dia não será
necessário consultar
as vísceras das aves.

(imagem: Google)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Tractatus Logico-Philosophicus


Ainda escreverei
o maior estudo
sobre Estética
de toda a história da humanidade:
colocarei uma pedra
sobre o solo
e dançarei em volta dela.

(foto: Cleber  Pacheco)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Expansão

Rompendo
invólucros
dissolvendo
 fronteiras
viver se amplia
a cada instante por não haver instante
crescer contínuo-descontínuo em vertente e fluxo
descoberta verve e chama a abrir-se em todos os possíveis da amplidão
na crescente abertura dos inúmeros universos múltiplas espirais de inenarráveis infinitos

(imagem: Google)

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Resenha

O escritor Paulo Monteiro comenta meu livro INTERSECÇÕES:

A leitura e a releitura de INTERSECÇÕES, de Cleber Pacheco, me fizeram voltar a dois grandes mestres: Napoleão Mendes de Almeida e Celso Ferreira da Cunha. Ambos fundamentaram meus conhecimentos da Língua Portuguesa e da minha cosmovisão da Literatura. E Cleber é professor de Língua Portuguesa e de Literatura. Além mais, escreve poemas, romances e ensaios literários.
Apresentado como “romance”, INTERSECÇÕES é muito mais do que isso. É um híbrido de poema e prosa literária. Seus nove “capítulos” podem ser entendidos como três “cantos” de um poema. Os parágrafos têm um caráter de estrofes, separadas pelos dois espaços em branco empregados no sistema estrófico.
   Fernando Pessoa, poeta e prosador, useiro e vezeiro em comentar sua própria obra, ora empregando seu próprio nome, ora valendo-se dos heterônomos, via uma única diferença entre a literatura artística: a divisão em versos, no Poema, e a divisão em Parágrafos, na prosa. Cleber quebra com essa divisão, superando a ancestral prática do poema em prosa ou prosa poética, de acordo com o gosto de quem escreva sobre o tema.
   Intersecções é um termo matemático. Mais precisamente da Teoria dos Conjuntos. Três são as pessoas fundamentais do livro: “Ele”, “Ela” e “Eu”. Formam uma tríade indissociável. Sem essa associação não existe a obra literária.
   Ele, Pedro, é pedra, um apaixonado pelo trabalho artesanal. Faz o trabalho pesado da casa. Ela, Margarida, cultivadora de flores e apreciadora de belezas. Formam um verdadeiro par, uma “pereja”, no velho e bom espanhol. Eu, Eu é narrador, um sujeito quase oculto, semioculto. Narrador principal, é o “alter ego” do próprio Autor.
   Eu forma um espécie de triângulo amoroso com Ele e Ela. É um sujeito entre o esforço árduo de trabalhar a Língua, o Beneditino do parnasiano Bilac e Ela, que encerra toda a beleza e a sensibilidade da arte literária.  Nisso consistem as intersecções de INTERSECÇÕES, um livro que se pode ler tanto como poema como romance. Mas acima de tudo... um livro para ser lido.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Brainstorm


Cair de folhas sobre
minha cabeça
impregnando
sementes esquecidas,
escavando
o carvão da memória,
ressuscitando
esculturas de restos ,
sonhos erráticos bordando
teias,
criando,na concha,
um oceano,
seus dilúvios e arco-íris,
parturientes suando areia,
fertilizando a árvore dos alumbramentos.

(Imagem: Google)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Submundo,Mundo,Supramundo


Qual dos mundos
você adentrará
com passos pesados,
cautelosos?
Deixará vestígios,
rastros?
Buscará mapas astrológicos,
a pedra filosofal?
Até onde penetra
a tua coragem,
até onde alcançam
os teus sentidos?
Qual dos mundos
você visitará
em teu mergulho?

(imagem: Google)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Exsudação

Entre febres e hipotermia,
suor e tremor em fluxo,
  sincronia de opostos.

 Profundezas da epiderme,
nos abismos da horizontalidade,
a nudez do mergulho
 no espírito das vísceras.

Morte e vida em fundação
nas espirais dos organismos.
Vida e morte em fundição
de superfície e rizoma.

(imagem:Google)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Música


A tecla dita
o segredo do sonoro
em partículas que se desprendem
no aroma do sussurro.
Vida reescrita
nos dicionários do silêncio
revestido de epifanias.
Frase impudica
transbordando
em poros e insolências.
Maestria
do irrevelado
a vestir nudez
em formas.
Ênstase - extase.

(imagem: Google)