domingo, 26 de julho de 2020

Invernia


 Há um momento
em que o mundo se recolhe,
sequer cães ladram.
Tudo se retira  e se desventra,
viver se torna concha
no abissal do estéril:
deixa  de ser vidro o vidro,
deixa de cortar a faca, 
mimetizam-se as coisas 
para se tornarem nulas:
não mais há musgo e pedra,
só o sintoma, 
desritualiza, o mundo,
a agudeza do instante:
raça,instrumento,nome
se desmentem
com inconsistência
de sombra sobre a água:
tudo é instinto e espanto
nos descaminhos
do rigoroso,
tudo é inverno e cavidade
nas intimidades do mínimo:
não há face nem totem
nos recônditos do escuro:,
viver é anonimato
a destituir o denso,
instante de amolar lâminas
para sangrar silêncios,
cerne do vibrátil 
a render-se ao Imóvel. 

(foto: Google) 
 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Autor Convidado


MÁRIO SÉRGIO BAGGIO nasceu em Ribeirão Claro_PR É jornalista, escritor e blogueiro. Mantém o blog: www.homemdepalavra.com.br
   Publicou três livros de contos. Tem textos publicados em várias revistas eletrônicas.
   Participou da Antologia Ruínas pela editora patuá e da coletânea Fragua de Preces editada em espanhol. Prepara um livro de poesia e outro de contos para 2020.

CARTA AO FILHO 
Querido Cassiano, querido filho meu,
Hoje é seu aniversário e quero lhe dar meus parabéns. Ontem sonhei com você e foi como se estivesse vendo um filme. Vi o filme da nossa vida juntos: o seu nascimento, você com cinco anos, você adolescente, você se tornando um homem. Sinto saudade, sabe? Por isso pedi que me trouxessem um papel e uma caneta, queria lhe enviar umas palavras e perguntar se está tudo bem. Não sei por onde você anda, mas você sabe onde estou.
A mim pouco importa se você vai ler esta carta, se vai esquecê-la em alguma gaveta ou jogá-la no lixo sem abrir o envelope. O fato é que sonhei com você, hoje é seu aniversário e tive vontade de lhe escrever. E pronto, aqui estou. Penso muito em você, como tem se virado, o que faz para viver, se está casado, se tem filhos. Se puder, e quiser, dê notícias pro seu pai. Há tanto tempo não nos falamos! Desde aquela noite, está lembrado?
Não consigo recordar claramente o que aconteceu naquela noite, mas uma coisa posso lhe dizer com segurança: não fui eu. O delegado escreveu no laudo criminal algo sobre uso de drogas ou uma substância estranha qualquer encontrada no meu organismo, que teria precipitado todos os acontecimentos. Foi isso que os jornais também noticiaram na época. Mas eu posso dizer com sinceridade, e espero que você acredite em mim, que eu nunca usei nenhuma droga. Queria que seus grandes olhos castanhos estivessem aqui agora pra eu olhar pra eles e repetir: não fui eu.
Ainda há muitas nuvens em minha mente sobre tudo o que aconteceu, imagens esfumaçadas que confundem meus pensamentos, mas confesso que tenho pelo menos duas imagens muito reais em minhas retinas, sobre as quais não tenho nenhuma dúvida: o sorriso largo que você mantinha no seu rosto de adolescente e a forma frenética como lavava as mãos na pia da cozinha, esfregando com força pra se livrar daquelas manchas vermelhas, enquanto sua mãe parava lentamente de respirar, deitada no chão. Eu não pude socorrê-la a tempo.
Hoje você completa vinte e cinco anos, é um homem feito. Eu seguirei aqui onde estou, cumprindo a sua pena. A culpa... ah, Cassiano, meu filho, essa eu deixo pra você. É o seu presente de aniversário.
Seu pai.































...

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terça-feira, 21 de julho de 2020

Obelisco


Elo
de luz e sólido
na transparência
do opaco,
intimidade do remoto
a fluir o fixo,
vigor
do tempo
a medrar,
do humano,
o ato
do estático,
pilar
da pulsação do rígido:
conclusão e limiar
dos casulos
do imperfeito.

)foto:  Google) 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Arte Poética




Nunca escreva poemas
sobre flores e rios,
 jardins ou pontes.
Escreva apenas poemas
sobre o inexistente:
amores,abraços,
anjos,ingentes deuses.
Não é feito de névoa
o verso,ou vômito;
palavra é esgotar
de infinitos contínuos
de espanto,
é inacabada reza
a nunca implorar
milagres, bençãos.
Poeta é mesmo o tempo
que, incansável,
 se suicida e se desmente
no eviscerar dos vivos.
(imagem: Google)


quinta-feira, 16 de julho de 2020

AUTOR CONVIDADO


   RAFAEL GONÇALVES GOBBO é poeta de São Paulo.

TORMENTAS

Estarei lúcido amanhã?
Alguns momentos luminosos
Ofuscados pela opacidade do tempo;
Completa irrelevância -  de uma mente vacilante.

As costas ardem;
A cabeça lateja.
Que luta mais inglória
Querer ter controle, razão - enfrentarei a peleja.

Tormentas de minh'alma
Implacáveis no ataque. 
Sossega, mar revolto!
O amanhã ainda chega - darei meu xeque-mate.



quarta-feira, 8 de julho de 2020

Vênus

Do   feminino,
o âmago, 
das fêmeas,
a mulher, 
fecundidade do vivo,
da matéria, o sagrado
em gestação de mundos:
terra, carnes,entranhas
em discernimento de vísceras
a verterem 
sangue e sublime
florescendo segredos ,
aroma a sustentar
o nutrir
das raízes do impalpável. 
  (arte: Cleber Pacheco).

domingo, 5 de julho de 2020

Totem


Do animal,
alma e entranhas
em atos de astúcia,
força que regenera
debilidades do indistinto
na geografia dos possíveis,
acervo e obra
do anímico
em reconstituir
de anthropos e besta,
engenhos de território e rota
no íntimo do ausente, ,
arte dos instintos
na ancestralidade dos estigmas. 

( foto: Google imagens).