sexta-feira, 24 de julho de 2020

Autor Convidado


MÁRIO SÉRGIO BAGGIO nasceu em Ribeirão Claro_PR É jornalista, escritor e blogueiro. Mantém o blog: www.homemdepalavra.com.br
   Publicou três livros de contos. Tem textos publicados em várias revistas eletrônicas.
   Participou da Antologia Ruínas pela editora patuá e da coletânea Fragua de Preces editada em espanhol. Prepara um livro de poesia e outro de contos para 2020.

CARTA AO FILHO 
Querido Cassiano, querido filho meu,
Hoje é seu aniversário e quero lhe dar meus parabéns. Ontem sonhei com você e foi como se estivesse vendo um filme. Vi o filme da nossa vida juntos: o seu nascimento, você com cinco anos, você adolescente, você se tornando um homem. Sinto saudade, sabe? Por isso pedi que me trouxessem um papel e uma caneta, queria lhe enviar umas palavras e perguntar se está tudo bem. Não sei por onde você anda, mas você sabe onde estou.
A mim pouco importa se você vai ler esta carta, se vai esquecê-la em alguma gaveta ou jogá-la no lixo sem abrir o envelope. O fato é que sonhei com você, hoje é seu aniversário e tive vontade de lhe escrever. E pronto, aqui estou. Penso muito em você, como tem se virado, o que faz para viver, se está casado, se tem filhos. Se puder, e quiser, dê notícias pro seu pai. Há tanto tempo não nos falamos! Desde aquela noite, está lembrado?
Não consigo recordar claramente o que aconteceu naquela noite, mas uma coisa posso lhe dizer com segurança: não fui eu. O delegado escreveu no laudo criminal algo sobre uso de drogas ou uma substância estranha qualquer encontrada no meu organismo, que teria precipitado todos os acontecimentos. Foi isso que os jornais também noticiaram na época. Mas eu posso dizer com sinceridade, e espero que você acredite em mim, que eu nunca usei nenhuma droga. Queria que seus grandes olhos castanhos estivessem aqui agora pra eu olhar pra eles e repetir: não fui eu.
Ainda há muitas nuvens em minha mente sobre tudo o que aconteceu, imagens esfumaçadas que confundem meus pensamentos, mas confesso que tenho pelo menos duas imagens muito reais em minhas retinas, sobre as quais não tenho nenhuma dúvida: o sorriso largo que você mantinha no seu rosto de adolescente e a forma frenética como lavava as mãos na pia da cozinha, esfregando com força pra se livrar daquelas manchas vermelhas, enquanto sua mãe parava lentamente de respirar, deitada no chão. Eu não pude socorrê-la a tempo.
Hoje você completa vinte e cinco anos, é um homem feito. Eu seguirei aqui onde estou, cumprindo a sua pena. A culpa... ah, Cassiano, meu filho, essa eu deixo pra você. É o seu presente de aniversário.
Seu pai.































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