sábado, 29 de setembro de 2018

Retábulo



Nos quadrantes da Terra
pintarei um retábulo,
partes de céu e de selva
em articulação removível e transversa
no coração do Cosmos,
misto de poesia e esperma
no útero da matéria,
compondo formas além
da forma,desarticulando
cálculo e geometria
para compor o espanto
nos estigmas do genuíno,
recompondo, do vítreo,o organismo
com as glândulas sudoríparas do etéreo.
em fome de linhas e argilas
expelindo o magma do fluxo
do existir no orvalho do vivo,
acatando o sereno da insônia,
revelando o amálgama do simples
nos oratórios do cavo,
na imensidão do mínimo,
em composição de magia e enigma
com refinada arte simplória
de revirar as entranhas do Ser.

(imagem: O Cordeiro Místico by Jan van Eyck).



sexta-feira, 28 de setembro de 2018

#elenão



Que a democracia não seja destruída pelo fanatismo, pela violência,pela insanidade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Microconto: Ítaca



    Durante o dia, Penélope tece. À noite,destece. Ao despertar, Ulisses descobre que mais uma vez o mundo mudou, o que dificulta seu retorno.Seu sonho é que Ítaca permaneça sempre a mesma.

(foto:Google)

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Brasil



No fedor do suro e do insano
um país apodrece
entre as larvas do velho
e a vivissecção do novo:
pele arrancada, entranhas expostas,
geografia de fomes e medos,
decomposto e coagulado
na ganância insidiosa
de roer a si mesmo,
resquícios de sombra e cadáver
na imolação do vivo:
a devorar organismos e filhos,
Cronos no hospício das gulas.

(imagem: Google)

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Paramashiva


No metassilêncio
o som originário
desprendendo-se,
criando
manancial de organismos,
sementes
fecundando fluxos,
geração
de som e ritmo
nas cavidades do morfema,
página impressa
no scriptorium do âmago
do Livro da Vida.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Arte Poética


 Nas linhas da águas
todas as formas
do sólido.
Na caligrafia da água,
a mãe dos alfabetos.
Incolor tinta
impermeabiliza
o insólito.
Fluidez de ritmos
a investigar
o monótono.
Nos hexagramas do líquido,
o nanquim do ideograma.
A água é chinesa
em sua estrutura.
E sempre descama
a alma do fixo.
Nas pupilas do peixe,
o assombro do poema.

(imagem: Google)



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Existência



O sol no olho
que colhe
a luz,
o enigma da sombra
acolhendo
o dia ,
o corpo-planeta
redefinindo
silhuetas no universo
da antimatéria.
O sol
restituindo
a córnea
ao revelar
as trajetórias da luz,
restauração e raio
inflamando
o acaso das certezas.

(foto: Cleber Pacheco)

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Caos



Caos fecundo
gerando
profusão,
abundância
nascida do fortuito,
sutileza exposta
feito fratura
no esqueleto do Cosmos,
nicho e ninho
acolhendo
o Ovo originário
em implícitas perspectivas,
caldo de estrelas
jorrando
no imo da treva:
face lúdica do Nada.

(foto: Cleber Pacheco)




quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Resenha



   Havia lido o primeiro romance de Jane Austen, A Abadia de Northanger ( Northanger Abbey) , em que a autora fazia uma paródia dos romances góticos, tão em voga em sua época. Obviamente l o seu livro mais famoso, Orgulho e Preconceito.  Decidi então ler o seu último livro Persuasão (Persuasion). 
   Anne Elliot, a heroína, não tem a vivacidade de Elizabeth Bennet, mas tem a sua determinação. Isso não nos faz desgostar da personagem.Ao contrário, sua discrição, silêncio e gentileza acabam por torná-la ainda mais interessante. Subestimada pela própria família, parece permanecer em segundo plano o tempo todo. O pai é tolo e vaidoso. A irmã mais velha é completamente esnobe e indiferente. A irmã Mary é egoísta e hipocondríaca. Anne se distingue de todos eles por seu discernimento e inteligência, por sua capacidade de avaliar corretamente as pessoas e não se deixar enganar pelas aparências.
   A sua situação quase apagada é enganadora. Se mesmo entre a maioria dos conhecidas ela é tratada de modo condescendente, na verdade Anne está em todas as situações, atuando de modo quase imperceptível, sempre presente. E as pessoas,mesmo que não percebam,acabam sempre por solicitá-las nos momentos críticos.
   O capitão Wentworth, por sua vez, não tem a pose aristocrática de mr. Darcy. Também é discreto, mas leal, assemelhando-se à Anne em muitas coisas.
   As aparências são enganadoras. Ambos têm personalidades admiráveis em meio a uma sociedade frívola e ridícula. Jane Austem, com humor e ironia, sabe muito bem retratar os ambientes, com olhar crítico.
   Confesso que aprecio Anne tanto quanto Elizabeth. Há semelhanças e diferenças. Mas a conduta de Anne desperta a nossa admiração. Creio que ela seja a mais madura de todas as heroínas de Jane Austen. O sofrimento, a separação e o aprendizado com as próprias experiências a tornaram assim. Importante lembrar que, um ano após concluído o romance, a autora faleceu.
   Sem dúvida uma  boa leitura. 

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Conto: Espaço




   Colocar o piano provocou certos ajustes.
   Para entrar na sala, tiveram de retirar a mesa.Mas para que a mesa pudesse permanecer, tiveram de retirar as cadeiras.
   Para que as cadeiras ficassem, tiveram de tirar as folhagens. Se quiseram deixar as folhagens, tiveram de colocar a escultura no corredor. Mas a porta não abria e a escultura voltou para a sala.
   Voltaram a tirar as folhagens. Mas na cozinha não cabia mais nada.
   A escultura foi para o quarto.Mas aí não podiam abrir o guarda-roupa.
   Ele então sugeriu colocá-la no banheiro.
   Ela brigou com ele.
   Ele gritou com ela.
   Ela bateu nele.
   Ele revidou.
   Ela chorou.
   Ele jogou a escultura pela janela.
   Ela fez um esforço, provocando um pequeno deslize do piano, fazendo com que despencasse escada abaixo.
   Ele saiu porta afora, deixando o apartamento.
   Ela finalmente pôde colocar todas as coisas em seu devido lugar, suspirando aliviada e satisfeita.
 

sábado, 1 de setembro de 2018

Microconto; Nêmesis



Sobre minha cabeça, ao passar pela calçada, o cuspe.
A cada semana o maldito não permite transeuntes, mas outra vez  passarei por ali , como sempre faço, só que dessa vez sem o meu chapéu novo,sob.