segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Autor Convidado

 


Natural de Cachoeira do Sul/RS, Cecilia Kemel sempre esteve ligada às letras. Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa e Brasileira pela UFRGS, tem publicações de poemas, contos, crônicas e crítica literária em meios jornalísticos, antologias poéticas impressas e em meios digitais. Conquistou prêmios e classificações em vários segmentos literários, faz parte da Academia Cachoeirense de Letras, da Academia de Belas Artes do RGS, e é associada da AGES - Associação Gaúcha de Escritores. Publicou uma obra solo na área da Antropologia pela Edunisc e, em 2022, o livro de poemas O Livro, pela Editora Bestiário. Em 2023, lançou o livro de contos Para mulheres que..., pela mesma Editora Bestiário. Para 2024, encontra-se em andamento a publicação do ensaio crítico Eduardo Jablonski, o maestro das letras e do livro de poemas Moinhos moem o tempo. Ainda em preparação, outra coletânea poética sob o título de Angra.


      


                                                                                           

                                                           Conto Breve

 

 

Às vezes me sinto presa

em dores que não são minhas

 

Muitas vezes sou Alice

Outras vezes sou Rainha

 

Meus sonhos são tempestade

em meio copo de vinho

Meus poderes?

Adivinho. Faço contas. Desconfio.

 

De cristal são meus sapatos

Ando no fio da verdade

mas não ultrapasso a linha

 

No fim

estrela ascendente

sou sempre Fada Madrinha. 



 

Ser

 

Eu queria ser lenta

e verde

e sem mistérios

 

Despejar os fantasmas

que me habitam

alugar outros risos

para o meu sorriso

 

Navegar noutro céu

noutro planeta

 

Deixar dobrar os Sinos

da Agonia*

 

Ler outro livro

procurar estrelas

 

Ser apenas um risco

acentuando

a linha.

 

*Referência a Autran Dourado

 

 


Livre pensar é só...

 

Sabes quanta verdade

um rio carrega

no seu leito de pedras?

 

Sabes quanta doçura

o teu jardim transporta

no labor das abelhas?

 

E as andorinhas

na leveza do voo

sabes quanta escolha?

 

O peso cansado

que descansa em meus ombros

conheces?

 

E o tempo?

Sabes por quanto tempo

no fogo da paixão

a lenha estala?

 

Silêncio.

A musa cala.



Vórtex

 

Agulhas de prazer

vigiam

minhas alças de vermelho linho

nas veias

ácido ríspido

vórtice e vinho.

 

A rotina

dos sagrados desejos

recomposta

na fila dos desatinos

entre os premiados vícios.

 

Tua voz acesa

me arranca delírios.

 


 

 

em “Moinhos moem o tempo”

                                                                                                ( a sair em 2024).                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Sabedoria

 


Sobre 

o mar, gaivotas

à espreita

de peixes. 

terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Autor Convidado

 


   Maya Falks é escritora desde sempre. Com formação em publicidade, jornalismo e letras, atua como leitora crítica e resenhista, coordenando os projetos Bibliofilia Cotidiana e Escritório Literário. Foi vencedora do Prêmio Vivita Cartier em 2021 e finalista do Prêmio AGES 2023, além de patrona da Feira do Livro de Caxias do Sul em 2022.







                                                                 Boleto

 

            Certa vez minha mãe me disse que a única coisa na vida que é inevitável é a morte. Acreditei nisso até atingir a idade adulta, quando descobri que a morte é apenas a última coisa inevitável. Antes da morte, para quem não se vai jovem demais, vem o boleto.

            A inevitabilidade do boleto é tão concreta quanto a morte. Embora a morte ainda seja, enquanto entidade com uma foice na mão, imensamente menos concreta do que aquele maldito código de barras que, uma vez sob o leitor, nos coloca em um espiral de desespero que só pode ser descrito por Augusto dos Anjos. Ou talvez Kafka, na agonia excruciante da transformação de Gregor Samsa em inseto, igual sente nosso âmago na transformação do débito na aniquilação de sonhos, no esvaziamento feroz e sádico de nossas contas bancárias, na usurpação maligna de 22 dias úteis do nosso suor.

            Há quem tenha medo da morte sim, e não os condeno, mas nada pode ser mais aterrorizante que o boleto. A taquicardia que marca os dias que antecedem o vencimento somado à noite insone em pranto incessante depois de realizada a transação. Clonazepam na veia. Mês que vem tem mais. E no outro. E no outro.

            O boleto é a morte mensal, a morte a conta-gotas, a morte à moda Jack, o Estripador – pedacinho por pedacinho. Vamos padecendo do mal moderno das promessas nunca cumpridas de que, findado esse boleto, não nos colocaremos outra vez nessa mesma teia de tensões digna de um filme de terror. E lá estamos nós, na vitrine. Mês que vem o leitor fará seu “bip” e nosso primeiro “inevitável” rirá da nossa cara, com seus dentes de risquinhos finos, grossos, finos, grossos, para nos provar que inevitável não é a morte, é a vida.
















sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Meio-dia


 


Luz que corta
e tudo estende;
tudo é inteiro,
nunca fatia,
pedra que expande,
flor que fossiliza,
nudez da noite,
carne do dia.
Cortar que desmente
qualquer anemia,
sangrar do inconstante
em lâmina esguia,
desnutrir do miolo
da sombra, aorta:
eterno é instante
que costura e corta.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Autor Convidado

 


  Angel Cabeza é poeta, cronista, produtor e artista gráfico. Autor de "Canção para os seus olhos e outros castanhos" (poemas, Urutau, 2019), participou das antologias "Geração em 140 caracteres" (Geração Editorial, 2012), "Escritores da língua portuguesa, volume I" (ZL Editora, 2012), "Qasaêd lla falastin — Poemas para a Palestina" (Patuá, 2013), "29 de abril, o verso da violência" (Patuá, 2015), "Os melhores poemas de 2016" (ZL Editora, 2017, bilíngue), "O casulo" (Patuá, 2019), "Poesia fora do eixo" (Taup, 2023), "Haikais e Tankas" (Editora Persona, 2023), "Coletânea de Cronistas Contemporâneos" (Editora Persona, 2023), "Antologia de poesias de amor, volume II" (Vila Rica Editora), entgre outras. Possui textos em jornais e revistas literárias nacionais e estrangeiras, entre elas "Katamesa" (Peru), "Cuarto Propio" (Porto Rico), "Generación Espontánea" (Espanha), "Kopek" (Espanha), "Palavra Comum" (Portugal), "Correio das Artes", "Correio Braziliense", "Vício Velho", "Diversos Afins", "Odara" (UFRJ), "Gueto", "Zunái", "Mallarmargens", entre outras.


DEEM-ME O SABOR DO AGORA

" Para aqueles que discutem o que deve ou não perpetuar."

Não quero os olhares

de um tempo tardio.

Desejo as mãos úmidas

na têmpora do que será esquecido.


Nada dura tanto

nada medra além do átimo.

Prefiro a entrega do parco

ao formoso do nome extinto.


Fantasmas não engolem lágrimas

e tudo será corroído

até o móvel velho

recoberto de resina e brilho.






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