sábado, 27 de abril de 2019
domingo, 21 de abril de 2019
Resenha
Li Os Moedeiros Falsos de André Gide quando ainda estava no curso de Letras. Agora releio percebendo melhor a dimensão do significado e da importância deste livro essencial. Nele o autor trouxe importantes inovações, influenciando os escritores de sua época e das gerações futuras. É inegável a ousadia de Gide ao escrever um livro que critica abertamente o realismo então ainda em voga. Critica os enredos bem acabados, personagens definidos, enredos artificiais E cria uma narrativa ousada e em aberto, que busca as possibilidades, como se vagasse sem uma direção definida, ao acaso. Em seu diário o personagem Edouard, que é escritor, comenta:
a realidade me interessa como uma matéria plástica; e tenho mais olhos para o que poderia ser, infinitamente mais do que para o que foi. Inclino-me vertiginosamente sobre as possibilidades de cada ser e lastimo tudo o que o manto dos costumes atrofia.
O autor busca não mais os tipos e caricaturas costumeiras de uma tradição literária e suas convenções. Segundo ele, a literatura deve buscar a essência. E esta seria a tarefa do autêntico romancista.
Também podemos encontrar no decorrer dos acontecimentos e reflexões, uma sátira ao mundo literário, com suas vaidades e rivalidades, de modo que o projeto da revista de Passavant se torna uma enorme farsa sem sentido, em vez de uma proposta de vanguarda . Passavant representa os vícios de um sistema literário ávido pela glória passageira e a vaidade, enquanto Edouard é o escritor a realmente buscar uma nova compreensão da vida e da literatura.
Para Gide a realidade é fluida, pois cada pessoa a interpreta de um modo diferente ou se debate com as elucubrações que costuma criar para si mesmo, como se apresenta em todo o livro e em especial nos personagens La Pérouse, Boris e Bronja e até mesmo nos equívocos pretensamente terapêuticos de Sophroniska. No final, são muito significativas as palavras de La Pérouse , sintetizando os dramas e conflitos humanos de um modo geral:
Sabe o que pensei? É que não podemos saber, durante toda esta vida, o que realmente é o silêncio. Nosso próprio sangue faz em nós uma espécie de ruído contínuo,não dostinguimos mais esse ruído porque nos acostumamos a ele desde a infância...Mas penso que há coisas que,durante a vida,não chegamos a ouvir,harmonias...porque esse ruído as encobre. E, penso que só depois da morte é que poderemos ouvir realmente...
Outra questão importante, pelo viés do personagem Bernard, é a necessidade de se libertar das convenções sociais e buscar viver a vida por si mesmo, buscar o seu próprio caminho, estabelecer suas próprias regras, mergulhar na experiência de estar vivo, efetuar descobertas e inventar a si mesmo.
Em suma, Os Moedeiros falsos é leitura das mais importantes para obtermos uma visão das transformações literárias do início do século passado e para compreendermos melhor o próprio século XX.
sábado, 20 de abril de 2019
Novo livro
No mês de maio lanço o meu mais recente trabalho: O Livro dos Livros. A escritora e bibliotecária Ana Lúcia Merege comenta:
" Na melhor tradição de Umberto Eco, Italo Calvino e Jorge Luis Borges, Cleber Pacheco apresenta a seus leitores uma enciclopédia de obras fantásticas , das quais a simples descrição provoca assombro e deslumbramento. A cada página se desvendam novas e infinitas possibilidades : livros escritos sobre pedra ou metal ou no próprio ar, que tanto abrigam palavras quanto sentimentos , experiências ou mesmo o vazio absoluto,. Livros que guardam segredos arcanos , que relatam batalhas eternas, que transcendem as fronteiras do tempo e do espaço. Livros que podem conter o universo- e ainda assim se ocultar , invisíveis e insuspeitados, nas estantes de uma biblioteca imaginária."
(Foto: editora Penalux).
domingo, 14 de abril de 2019
terça-feira, 9 de abril de 2019
História
A criança brinca
com o seixo,
o seixo contém
toda a história do mundo,
a crua verve primitiva,
o alicerce dos impérios.
A criança brinca
e seu brincar contém
a força motriz
do movimento ancestral
e todas as possibilidades do humano.
A criança e o seixo convergem
como convergem vida e morte
no encontro de carne e nous
no primeiro alento
e no instante do derradeiro
sopro.
( foto: Cleber Pacheco)
terça-feira, 2 de abril de 2019
Resenha
As narrativas curtas de Kafka são muito impressionantes. Difícil classificá-las. Seriam fábulas sombrias? Literatura fantástica? Contos góticos? Na verdade, são inclassificáveis. Melhor assim, pois é exatamente isto que comprova a sua riqueza.
A primeira história de Um Artista da Fome relata o caso de um trapezista que se recusa sair do trapézio, aprimorando cada vez mais suas habilidades. E acaba por exigir um segundo trapézio ao seu empresário.
O segundo conto, Uma Pequena Mulher é ainda mais inquietante. Um narrador nunca completamente identificado relata sobre essa mulher que se irrita com a existência dele, Sem razão, ela não o suporta e seu sofrimento é infindável por não suportá-lo, embora ele nada faça para merecer tanto ódio.
Um artista da fome conta o caso de um homem cuja arte é jejuar, permanecendo preso numa espécie de jaula e se tornando atração e fonte de lucro para seu empresário. Aos poucos o público vai perdendo o interesse por essa estranha atração, relegando-o a mero coadjuvante num circo qualquer até ser ignorado por todos.
Josefine,a cantora ou O Povo dos Ratos é tão extraordinariamente bem escrito que nos fascina e desconcerta ao mesmo tempo.
O mais sombrio de todos os relatos é Na Colônia Penal, uma história de absurdo e crueldade, um dos melhores textos escritos pelo autor. Verdadeira obra-prima.
Evito aqui fornecer qualquer interpretação ou chave de interpretação, pois creio caber ao leitor mergulhar nesses contos fascinantes e extrair deles toda a riqueza que oferecem.
Um pequeno grande livro que deveria ser lido por todos os fãs de Kafka e da grande literatura.