sexta-feira, 27 de abril de 2018

Voz



Atravessa o sopro
certa colmeia,
reinventando o corpo
poliniza a ideia
resgatando a flor
- joia rara -
repõe a cor
e se repara
em algodão e dor
para ir vertendo
o que vai pedindo e perdendo

terça-feira, 24 de abril de 2018

Concha


(poema do meu livro VIDA REINVENTADA)

Se é apenas ofício
criação crosta ou resto
nega ato e todo gesto
e se faz só orifício
para o que consiste
naquilo que existe
para o que responde
naquilo que esconde
uma concha não é a causa
de sua caligrafia
mas só ela tem a pausa
do que é ocioso e fia

(desenho: Cleber Pacheco)

domingo, 22 de abril de 2018

Resenha


   Estava em outra cidade quando me deparei com o evento de venda de livros usados na rua. Evidentemente fui conferir,como não poderia deixar de ser. E realmente havia algumas coisas interessantes por lá. Entre elas, encontrei o romance japonês  DIÁRIO DE UM VELHO LOUCO de Jun'ichiro Tanizaki., editora Estação Liberdade, 2002.
   Não conhecia nada do autor,mas admiro os romancistas japoneses. Eles escrevem ótimos livros. E minha intuição não falhou. Trata-se de um livro escrito num estilo simples, mas com grande força.
   O personagem principal é Tokusuke Utsugi, um senhor idoso nada respeitável,por assim dizer, que anota em diários a sua obsessão pela nora Satsuko. Ex-corista e com uma conduta não exatamente exemplar, ela o cativa pela beleza e consegue manipulá-lo e se deixa usar para obter vantagens materiais. Doente,velho,impotente, Tokusuke sofre de dores atrozes em sua mão,além de outros problemas de saúde e está sempre às voltas com remédios e problemas físicos. Mas até mesmo as dores são uma fonte de prazer para ele, que busca maneiras alternativas de se excitar e encontrar alguma satisfação.
  Uma narrativa contundente, amoral e chocante para os padrões ocidentais, revela um modo de vida que pauta pelo corpo, com toques sádicos e de voyeurismo que pode levar até um comportamento herético.
   Nas páginas 41 e 42 há uma referência ao filme Orfeu Negro,do diretor francês Albert Camus e ao ator brasileiro Breno Melo no papel de Orfeu, que desperta o interesse de Satsuko, esposa infiel, mulher egoísta e com um toque de perversidade que a torna ainda mais atraente aos olhos do sogro.
    Tratando a respeito da velhice, vida e morte,prazer e dor, Tanizaki nos faz pensar a respeito do humano e de até onde as pessoas podem ir em sua necessidade de experimentar os próprios limites. Não podemos ignorar,é evidente, que estamos muito distantes dos valores do cristianismo e da cultura ocidental,pois o autor manteve-se bastante distanciado desta influência. E assim temos oportunidade de entrarmos em contato com uma outra concepção de mundo e compreensão da vida.
   A literatura oriental possui suas peculiaridades e cabe-nos conhecê-la sem pré-julgamentos e já produziu muitas obras-primas para encantamento dos admiradores do fazer literário.   
   

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Rio



Só quem mergulha nos sonhos
verdadeiramente ama os rios
e torna-se correnteza.

Aprendi a nadar em águas perigosas
e a morrer todos os dias em jardins floridos.

Posso irrigar-me no lodo
e fenecer em oásis paradisíacos.

Aprendi a escavar rios
na esterilidade das catacumbas
dos sonos mais abissais.

Meus rios são transitórios e eternos
em busca de fronteiras desconhecidas.

Meus rios são translúcidos e obscuros
e podem imitar o Amazonas,Nilo e Ganes.

Só quem mergulhas nos pesadelos
pode navegar todos os rios
e nascer e morrer todos os dias.

(foto: Google)



terça-feira, 17 de abril de 2018

Resenha


   Alguns livros precisam realmente ser lidos. Tendo visto uma versão cinematográfica  há alguns anos, percebi que era o momento de conhecer o texto. E então encontrei numa livraria esta edição de O Diário de Anne Frank,  publicado em 2017 pela BestBolso.
   Pode-se dizer que se trata de um livro que nunca perde o seu impacto,força e intensidade ao longo do tempo. E continua atual,se pensarmos nas lamentáveis guerras que ainda ocorrem, nos diversos genocídios que aconteceram antes e depois e parecem não ter nenhuma pressa em serem extintos.
   Acompanhar a trajetória daquelas pessoas no Anexo Secreto sob o ponto de visto da jovem Anne Frank tem uma capacidade de nos envolver,emocionar e fazer refletir. Viver dois anos sem poder sair às ruas, em permanente tensão e medo fazia os conflitos virem à tona constantemente. Isso sem falar nos problemas referentes à alimentação,higiene,roupas,etc.
   As descrições e narrativas de Anne, que desejava ser escritora e jornalista, nos toca profundamente. Podemos acompanhar o seu percurso conhecendo seu olhar arguto,crítico e,algumas vezes melancólico e nos faz pensar a respeito do humano,da sociedade e suas constantes injustiças, do preconceito que se mantém atual neste doentio século XXI.
   É impressionante acompanhar o processo de amadurecimento e as transformações da jovem, a sua insegurança e capacidade para olhar para dentro de si mesma,analisando-se o tempo todo, assim como a sua religiosidade e conexão com a natureza. E ainda assim, podemos nos divertir com o seu senso de humor e vivacidade.
   Já li alguns diários,cartas,biografias e memórias. Mas este é um exemplo particularmente significativo e que deveria ser lido por todos nesta época de intolerância,de discriminação, dividida entre dois extremos: globalização e isolacionismo xenofóbico.
   O Diário não é apenas um documento histórico, é um documento humano cujo valor nunca se perde e que ainda tem muito a nos ensinar. .
   

sábado, 14 de abril de 2018

Ascensão


Não raro a lua
era só um reflexo
dissolvendo-se na água.
Outras vezes
ver o sol
era só vislumbrar
o desenho das sombras.
Arranhando o ar,
desfolhando vazios,
cortando ocos,
escavei
as cavidades da sombra
para incendiar lâmpadas
em direção ao topo.
Ascender
requer sangue e ossos
convergindo ao coração da luz,
redefinindo os átomos do medo,
fatiar a morte
engolida pelo tempo,
apagar estrelas
necessitando de buracos negros.
Atando o cordão umbilical
da lua e do sol,
mergulhei
em vertigem e voragem
e agora acendo
seus dias e noites,
duplo farol
bordando claridade
nos abismos.

(imagem: Google)




sexta-feira, 13 de abril de 2018

Enigmas



FOME

Um homem caminhando num pomar. Encontra uma laranjeira e,nela,uma laranja. Sem casca. Colhe-a.Abre-a. A casca é por dentro. Come a laranja. Fica com a casca. Precisa comer a laranja.

SONHO

Cinco mulheres dormindo. Lado a lado,silenciosas,cobertas por um véu. Ninguém sabe se elas comem. Ninguém sabe o que elas sonham. A primeira estende a mão, a quinta restaura o véu.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sobrevivência




Meus pés podem ter sobrevivido
depois de caminharem sobre fogo e brasas
e se queimarem nas cinzas.

Minhas mãos podem ter sobrevivido
ao frio selvagem
congelando meus gestos
  novos e frágeis.

Minha mente pode ter sobrevivido
aos fantasmas e duendes
querendo edificar  masmorras
na prisão da minha carne.

Meu corpo pode ter vencido
a travessia de infernos e vales
reinventando meus ossos
com nova medula.

Mas meu coração necessita
da transfusão de seus olhos
para vibrar e viver.

(foto: Google)

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Microconto: Alta Sociedade


A criada verificou todos os itens:

* Vestido Yves Saint Laurent;
* Sapatos e bolsa Louis Vuitton;
* Broche de diamantes Dior:
* Três gotas de Chanel número 5.

- Chiquérrima! avaliou.

Então os homens vieram,colocaram a patroa no caixão e a levaram.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Por que


Nunca escrevi nada que não fosse
para dizimar as sementes da morte
florescendo no jardim abissal
inundando cavidades de tristeza.

Nunca escrevi nada que não fosse
colheita nos pomares da morte
ofertando frutos de espanto
em casca,polpa,sumo.

Nunca escrevi nada que não fosse
explorar as selvas da insanidade
onde tigres vagam à espreita
de exploradores e de caças.

Nunca escrevi nada que não fosse
incendiar desertos de angústia
escavando tórridas areias
onde poços ocos transbordam sede.

(foto: Google)



terça-feira, 3 de abril de 2018

Farsa


Estão podres
os donos do mundo,
podres em podridão
de arrogância corrupta,
 malícia bebendo
dos que bajulação babam.
Podres estão
os donos do mundo,
podres em podridão
forjada na moeda
da miséria das mentes,
no arremedo de vida
de hipocrisia espúria,
comprando,vendendo-se,mentindo
em prepotência de farsantes
que forjam armaduras
de estúpida empáfia,
cadáveres da ética,
piolhos da práxis,
escória fantasiada de príncipes.

(imagem: Google)