quarta-feira, 29 de novembro de 2017

AUTOR CONVIDADO


   FERNANDO MAROJA SILVEIRA nasceu em Belém do Pará. Estreou nas letras em 2015  com o livro Cinzas. Publicou poemas nas revistas Zunai,Subversa e Caliban.
    O poema selecionado faz parte do seu livro O ESCRAVO DO VAZIO publicado pela editora Penalux  em 2017.

O CANTO DA AREIA

Elevar-se,
mas não pela teia que prende as estrelas
na masmorra do céu.
Não pela escadaria do trovão,
desmantelada no galopar da chuva,
quando as gotas saltam como os cavalos,
para derrubar o homem
no tabuleiro de xadrez.

Elevar-se,
pelo canto da areia
e chegar ao topo da pirâmide,
onde apenas o extremo do vazio se equilibra:
ventania,bailarina.

Elevar-se
pelo canto da areia
e chegar ao deserto,
o único lugar fora do tabuleiro de xadrez.


 

Moinhos




Moer de treva e trigo,
distintos nomes
de fartura e miséria
na mistura das insanidades.

Gerar,colher,triturar
no sem fim dos estigmas
e do abandono.

Eolizar
 do pão e do espúrio
na transubstanciação
das tramas do vivo.

(foto: Google)

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Gótico


Atravesso
pântanos,
testemunho
a queda da casa de Usher.

Miram-se
os espelhos
emitindo
mensagens em código.

Murmúrios corroem
as pardes,
sombras apagam
reflexos,
a vida se refaz,
não se constrange.

Nos espelhos
a morte habita
sem nunca pedir excusas.

(foto:Google)

domingo, 26 de novembro de 2017

Arte de escrever


Escrever
é regurgitar
silêncios,
decodificar
enigmas,
despistar
clarezas.

Cada
letra,,
palavra,
verso,
reanima
calor
 de vísceras.

Frase,
página,
eterna viagem
de ir e vir,
entorpecimento
e despertar.

(foto: Google imagens)

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Compra e Venda


Compra-se homens
à vista e à prazo,
a perder de vista.

Material barato,
econômico,
reutilizável,.

Vende-se almas,
convicções,
retórica.

A  noite cai
sobre
o mundo
e não respira.

(imagem: Google)

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Iminência



Escorregar,cair,
quebrar
os dedos,
expelir
cálculos renais,
morder
o lábio até sangrar.

A qualquer momento
as veias rompem
e a vida vaza
entre estrondo e silêncio.

(foto: Google)

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Krajcberg


A natureza da arte
na arte da natureza,
maestria das formas,
o triste transmutado
em beleza,
a vida escavada
nas veias da morte,
o escrutínio
do lúdico
na devastação dos extremos.
Krajcberg,
um hino à presteza
do existente.

(foto: escultura de Frans Krajcberg,falecido ontem. Artista polonês naturalizado brasileiro).

domingo, 12 de novembro de 2017

poeSIA



Há milênios
matam
a beleza.

Ressuscita
a poesia
a cada dia.

(imagem: google)

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

TUDO


Tudo acontece em tudo,
tudo é fricção e memória e medo,
tudo devora,constrange, reitera,
tudo acusa,falha,expira
tudo afunda,voa,soterra
em rito,ritmo,rapto,
tudo sequestra,regurgita,é famélico,
tudo expõe,esconde,penetra,
tudo é prestes a ser
um palor de fogueira acesa.

(foto: Cleber Pacheco)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Sinais


Sagradas geometrias
fundam
o reino e suas astúcias,
exigindo chaves,insinuando códigos
para a tessitura
do que ainda não foi composto,
sinais
que desencadeiam
inúmeras moradas.
Benditos os geômetras,
decifradores da clareza,
artesãos do ensaio
do viver quotidiano.

(Imagem: Google)

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Pontes


Atravesso pontes de neve
sobre lagos de fogo

O céu é devorado pelas nuvens
Meus pés são engolidos pelas chamas

Fenecem flores ao longo do caminho
Colho sementes de gelo

(foto: Google)

domingo, 5 de novembro de 2017

Resenha


   O livro FAUSTO COM RUGAS de Cristina Ohana publicado pela editora Penalux merece ser lido com atenção. Nele a autora revela grande domínio da linguagem e da narrativa,fazendo uso de capítulos curtos,densos,plenos de expressividade. Aliás, sua capacidade expressiva impressiona: as palavras são selecionadas cuidadosamente,os contrastes de luz e sombra possuem força,impacto,nos marcam.
   Esta nova versão do pacto fáustico revela um personagem senil, incapaz de se entusiasmar pela sede de conhecimento,como no clássico goethiano, uma vez que já viu tudo,já experimentou de tudo e padece de cansaço,de fastio,de saturação,embora incapaz de impedir o fascínio que a existência  exerce sobre ele e ainda almeje a juventude eterna. O mundo lhe causa náusea e,ao mesmo tempo, o atrai. Dor e gozo,nojo e fascínio se mesclam,descrente já do humano e no entanto impotente para impedir sentir-se atraído por suas possibilidades.
   Livro contemporâneo e atemporal, faz uma re-avaliação da condição humana, passando por antigos mitos:

   Repetiremos todos os dias a expulsão do Éden.
  
    O diálogo entre Fausto e o diabólico pode,aqui,representar uma divisão interna,um conflito jamais resolvido entre o bem e o mal, entre a bestialidade e o inefável,entre o monstruoso e a beleza existentes em cada um de nós. Apesar da passagem do tempo,os nossos dramas permanecem essencialmente os mesmos. Muda a maneira como os vemos,como lidamos com eles, influenciados pelo espírito próprio de cada período histórico. Deparamo-nos,assim com um Fausto decadente,mas cuja energia vital ainda teima em manter acesa a sua chama.

  Além das referências bíblicas,o livro também se utiliza de um vasto conhecimento, que passa pela alquimia,pelos princípios herméticos, antigas civilizações, a filosofia,sexualidade, Dante Alighieri, Kafka,etc. Apesar de breve, a leitura exige fôlego e conhecimento para a sua completa fruição e compreensão, enriquecendo-a ainda mais.
   Em tudo isso permanece uma das questões centrais do romance de Cristina Ohana: a necessidade de expressar-se,a necessidade do poético num mundo onde a poesia parece não mais ser possível.
    Por tudo isso eu diria que se trata de um texto significativo e é mais uma bela publicação da Penalux.

   

sábado, 4 de novembro de 2017

Rimbaud


Menino poeta
a vislumbrar
realidades outras,
naufrágios,sonhos,
distantes terras,
fulgores infernais.

Menino vidente
a ver o invisível,
a criar
mundos impossíveis
na carcomida carne
do poema.

(foto: Google)


quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Silêncio


Afinar-se
no silêncio,
eloquência do mudo
na fineza dos intervalos,
retirar-se
e estar presente
na vibração do vivo.

Sinais
a se fundirem
nas harpas do límpido.

Fundir-se
é calar.

(imagem: a pintura Silêncio de Richard Bergh)

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Des-velar


Não está velado
o Real,
quem precisa
se desvelar
é você.

Cada véu
que se retira,
cada olho
que enfim vê,
toda camada
que se penetra,
o infindo fluxo:
perceber.

(foto: Google)