segunda-feira, 2 de junho de 2025

Autor Convidado

 



Doutor em Teoria e História Literária pela UNICAMP, Luciano Marcos Dias Cavalcanti é autor de vários livros de ensaios e estudos dedicados à literatura e à música popular brasileira, especialmente à poesia e aos poetas, dos quais se destacam: Orfeu, Prometeu e as Musas: mito e poesia em Murilo Mendes (2025), Chico Buarque, intérprete do Brasil (2024),  Poesia, o que é e para que serve? (2021), Poesia e transcendência na lírica de Jorge de Lima (2019), Emílio Moura: o poeta em busca do incognoscível (2017) e Metamorfoses de Orfeu: a “utopia” poética na lírica final de Jorge de Lima (2015). Tem dois livros de poemas publicados: Instantâneos do cotidiano (2020) e Aporia (2023).


Por que razão resolveu ir para o mar?

 

Resolveu ir para o mar.

Partiu de sua ilha,

num nevoeiro espesso.

 

Não temia o uivo do vento,

ser castigado pela fúria da tempestade,

ser tragado pelas ondas do oceano.

 

Montanhas de água erguiam-se e quebravam-se.

O mastro arqueava, a água subia no convés,

a embarcação sacolejava.

 

As tormentas eram permanentes,

incidentes inexplicáveis ocorriam,

ataques de selvagens de estranhas tezes tatuadas.


Seguiu viagem, em busca de maravilhas

levado pela corrente marítima,

deparou, amiúde, com o comércio de almas.


Não se amparou na luz de nenhum farol.

Não encontrou nenhuma ilha bem-afortunada,

para ancorar seu barco combalido, à deriva.


Foi para o mar para afastar a ameaça do vazio,

aquele sentimento incômodo da vida ser 

nada mais que um desperdício de dias.                                                                    



 Navegação

 

Singrando devagar um mar sonolento

– mergulhado em sua melancolia –,

o nauta atravessa o convés continuamente,

cada extremo da embarcação.

Da proa à popa,

mira as águas a serem vencidas pela nau,

expande-se no espaço;

despede-se das águas escorrendo para trás,

consome-se no tempo.

A solidão é intolerável.

A intensa concentração do eu

na imensidão do mundo líquido

afoga o infinito de sua alma

nas profundezas do desconhecido.

O mar é uma perene incógnita,

com suas magníficas matizes de azul,

esconde traiçoeiramente temíveis criaturas.

 

 

 Ao farol

 

“O Farol era, então, uma torre prateada em meio à névoa, com um olho amarelo que se abria rápida e suavemente à noite.” (Virgínia Woolf – Rumo ao Farol)

 

_ Enfim, vamos ao Farol?

_Após tantas mortes?

O que faremos lá?

Arriscaremos extinguir nossas vidas

nos atirando ao encontro de algum rochedo

nesse mar bravio?

Muitos se foram.

O ambiente está empoeirado.

O que resta é um pouco de luz verde-acinzentada

e sombras perambulando pelas paredes.

O faroleiro não deseja nossa companhia

com jornais e revistas.

Não quer que nossas ruínas entrem no seu lar

e acabe com o encanto de sua solidão.

Prefere ficar sozinho admirando o mar...

 

 

 


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