Autor Convidado
Doutor em Teoria e História Literária pela
UNICAMP, Luciano Marcos Dias Cavalcanti é autor de vários livros de ensaios e
estudos dedicados à literatura e à música popular brasileira, especialmente à
poesia e aos poetas, dos quais se destacam: Orfeu, Prometeu e as Musas:
mito e poesia em Murilo Mendes (2025), Chico Buarque,
intérprete do Brasil (2024), Poesia, o que é e para que
serve? (2021), Poesia e transcendência na lírica de Jorge de
Lima (2019), Emílio Moura: o poeta em busca do incognoscível (2017)
e Metamorfoses de Orfeu: a “utopia” poética na lírica final de Jorge de
Lima (2015). Tem dois livros de poemas publicados: Instantâneos
do cotidiano (2020) e Aporia (2023).
Por que razão
resolveu ir para o mar?
Resolveu
ir para o mar.
Partiu
de sua ilha,
num
nevoeiro espesso.
Não
temia o uivo do vento,
ser
castigado pela fúria da tempestade,
ser
tragado pelas ondas do oceano.
Montanhas
de água erguiam-se e quebravam-se.
O
mastro arqueava, a água subia no convés,
a
embarcação sacolejava.
As
tormentas eram permanentes,
incidentes
inexplicáveis ocorriam,
ataques
de selvagens de estranhas tezes tatuadas.
Seguiu viagem, em busca de maravilhas
levado pela corrente marítima,
deparou, amiúde, com o comércio de almas.
Não se amparou na luz de nenhum farol.
Não encontrou nenhuma ilha bem-afortunada,
para ancorar seu barco combalido, à deriva.
Foi para o mar para afastar a ameaça do vazio,
aquele sentimento incômodo da vida ser
nada mais que um desperdício de dias.
Singrando
devagar um mar sonolento
–
mergulhado em sua melancolia –,
o
nauta atravessa o convés continuamente,
cada
extremo da embarcação.
Da
proa à popa,
mira
as águas a serem vencidas pela nau,
expande-se
no espaço;
despede-se
das águas escorrendo para trás,
consome-se
no tempo.
A
solidão é intolerável.
A
intensa concentração do eu
na
imensidão do mundo líquido
afoga
o infinito de sua alma
nas
profundezas do desconhecido.
O
mar é uma perene incógnita,
com
suas magníficas matizes de azul,
esconde traiçoeiramente temíveis criaturas.
Ao farol
“O
Farol era, então, uma torre prateada em meio à névoa, com um olho amarelo que
se abria rápida e suavemente à noite.” (Virgínia Woolf – Rumo ao Farol)
_
Enfim, vamos ao Farol?
_Após
tantas mortes?
O
que faremos lá?
Arriscaremos
extinguir nossas vidas
nos
atirando ao encontro de algum rochedo
nesse
mar bravio?
Muitos
se foram.
O
ambiente está empoeirado.
O
que resta é um pouco de luz verde-acinzentada
e
sombras perambulando pelas paredes.
O
faroleiro não deseja nossa companhia
com
jornais e revistas.
Não
quer que nossas ruínas entrem no seu lar
e
acabe com o encanto de sua solidão.
Prefere
ficar sozinho admirando o mar...


0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial