quinta-feira, 30 de maio de 2024

Autor Convidado

 


luís filipe pereira. escritor, ensaísta, poeta. licenciado e pós-pós-graduado

em filosofia. Cursou literatura francesa e direito. investigador em filosofia e em literatura. quatro livros de poesia publicados: A tela do mundo (5ª ed.), No lugar da pouca farinha (2ª ed.),

Consoante as estevas (2ª ed.), Elogio da espera. no prelo

(ambos com os leitores, no mês de junho): livro de poesia & ensaio sobre António Ramos Rosa.

vários ensaios publicados. muitas dezenas de colaborações em antologias, recensões,

revistas portuguesas e estrangeiras. prefácios (p.ex. Torre de Silêncio de Cléber Pacheco)

& posfácios (p. ex. A Outra Margem de António Salvado). recentemente participou

em antologia de celebração dos 50 anos de abril de 1974. também mestre em teoria

da literatura contemporânea. pós-graduado em literatura espanhola. & etc.



 poema inédito

[nada de novo todavia: em quatro partes

1.

abelhas filiais em seu voejar contundente

difundem a derrocada em climas fechados

a pestilência de haver existência tingida

em decibéis sobre o estendal da ínsigne náusea

o poder

 

haver existência abaixo da velocidade digital da terra

e das centopeias da impassibilidade

uma vez na net para sempre na net

com base neste dito oracularmente impuro

o duelo a diatribe ostensiva

sobre o póstumo sobre o próximo     interditam

aos poetas a quota-parte de semideuses da orfandade

em frente pesadíssima pintando calcificados

os dedos como pilatos

com tintas de enfeitar o referente de imagens

o hedonismo

 

haver existência milagre nenhum      

tão-somente convergência a prodigar

a ambiguidade das transparências dispensadas

no susto das cesuras redentoras

tudo isto partilhado na inédita ágora dos chats

dispneias que se abrem às ocasionais notoriedades

de quem à mercê em corredios laços de pagelas

bacterianas bipolares e homólogas

 

egos despertos         egos promocionais

cães de fila                 donos do conflito

colonatos franco-atiradores    do exílio  

matilhas impudentes    de abelhas rainhas

dezenas por minuto pondo ovos nas trincheiras do negócio

 

 

[nada de novo todavia

2.

 

espécimes raros os cérebros seminovos omnívoros     

recentíssimos                                  cérebros mba´s

não obstante no antraz cutâneo a segunda via

da pele asmática cérebros em fúria que carregam

nos ombros os castelos da pátria

não profusões de armas automáticas de hipnóticas elipses

mas simplesmente o uso gasto das palavras à disposição

por catálogo mas sem mudança de estado             porque

as palavras retidas nos sapinhos das mucosas        onde

nem ao menos musas mudas    só bocas de talha pintada

pingentes dum ceptro de dioptrias sobre a luz especiosa

de hemiciclos de águas derramadas e sequer     proteínas

o egoísmo

 

haver existência não tem por corolário

uma coluna um colonato de abreviaturas

da língua de tão mortas de porfia condecoradas

em mesas de rúbeas temperaturas compartilhadas

haver existência no caminho para a festa        das palavras                

não tem por determinação as circunstâncias    as estrelas

nomeadas           as últimas-horas dos noticiários

quantos pobres quantos feridos quantos mortos

nem tem por guide line grelhas de citações caudalosas

nem o quotidiano despido sem pudor para que continue

inalterável no contínuo silvo ensombrecido

nem a escuta esmaecida das palavras porque as palavras

com mangas    vergões    entranhas volumes necessidades

 

haver existência incorresponde à alheação da falta

de quem de frente para os muros busca o subtil a fenda

que não vemos                    também

não são condições suficientes de haver existência

a chuva calcinada os corredores mortais a tortura

a prazo    sem termo    menos ainda os galhardetes

mercadejados ou os fogos-de-artifícios desliteralizados

espumas sem estudo e no escuro empalecidas 

sequer as condições contractuais que        engalanadas

adiantam em triunfo os sequazes da língua

em rumor que não ouvimos dos últimos condenados

prometidos arautos da literatura           suã com arroz

porque a poesia não vem depois             não retroada

ao posterior em inglês perfeito na        pena da pomba

e amedalhas

 

[nada de novo e todavia

3.

 

haver existência

é a esferográfica em punho aberto

a estriar a determinação sem quem

do poema                somente uma possibilidade

pregada às articulações laterais de que a mão as arcadas

é a palavra que vinda do ermo escala o silêncio

até à acústica do jamais nomeado

não é a caneta venal entre o peso e o pulso neutro

dos atléticos pandas a tribordo da fama

haver existência é o poema que vem à mão

e sobe ao nome pela mão concreta

pronta para dizer-se em palavras

 

haver existência não é a festa de finalistas

do além do que ainda não tempo dos jovens sempre

acne nenhum comprando sem custo as palavras

em luto e sem sobressalto

o esquecimento

diante do ócio sobredeterminado pelas imagens

à mão nos ficheiros coexistentes com encéfalos

unidimensionais pousados entre os joelhos e os teclados

o padecimento

 

haver existência

irredutível à abreviação por moços-de-recados

com a função de acelerar nos atritos o teor sub-reptício

da sedição                 do vazio                do não indício

para que estertor o haver nas escalonadas vértebras

da delonga rapidíssima de farsas e alguidares donde

albergues de tomar sem tomar-lhe a modelação

dos primeiros traços nem a operação de vestígios

a crendice

 

 

 

 

 

[nada de novo e todavia

4.

 

haveria porventura alguma espécie de existência

se possível a escolha em liberdade a luz dos corvos

se possível o azul sabor da cesura        

se soubéssemos pungir as palavras envernizadas

do auspicioso século dos cérebros   cérebros-start-ups

os cérebros mais preparados de sempre

seria possível se percorrêssemos os verbos escalados

até ao cume abrupto da carne inconformada    

ou se abríssemos extensões ainda

aonde nunca chegássemos 

 

certamente nos não faltariam suãs divisórias

talvez nas crespadas metrópoles esplendorosas de ritmos

de aniquilação do corpo tomado pelo espírito de competir

pela imagem mais inédita desgarrada de quão aguda

a palavra que fosse ambípara difusão                   do espaço

 

haver existência não indigita multimilionários da forbes

com bíceps blasés e gravatas em tendência

porque se alguma coisa falta é a demora dos efeitos

das endomorfinas e dos ansiolíticos a genética

da cerebralização dos cérebros exportados

de surtos psicóticos      ao resto e ao cabo os efeitos

de quem de cá ou de lá dos muros duvida

de territórios pendentes de candelabros

a carência

 

se alguma coisa falta

não é a rendição ao jugo sorridente

nem o poder a descoberto na turística estadia do tempo

a transparecer nos terraços da quimera nos miasmos

da fome da hipocondria da imagem

se alguma coisa falta

é acicatar os pontos de lume da língua resoluta no sono dos justos

é permitir a diabrose das sebes por dentro dos muros intravenosos

cada vez mais espessa de infiltração

a punção

 

excrescência de haver existência é um cérebro laboratorial

emudecido industrial hiper-produtivo porque bisturi nenhum

arranca da palavra os seus túneis de silêncio

porque a palavra não é uma fera doméstica

que ataca mudas decadências do sinal sem dó nem proveito

um cérebro proverbial                 morra marta morra farta

é um cérebro nas margens do lugar e do tempo

flexionados ambos na zona estéril dos cometas

das olheiras pintadas com o roxo do costume

e tanta a pedra batida que não fura removida pela arte do súbito  

do susto em surdina a cofiar nas imagens a letargia

 

haver existência

não carece dos sistemas quiromânticos   

bem mais empíricos que os códigos de barras

no miolo das alfaces

que o lucro jovem sempre jovem

haver existência não é postulado dum mínimo de existência

se no haver tão-sós os lobos solitários da aglutinação

que atacam em manada a bem do cautério ao sucesso

à febre         à glória de barro aleijado     ao efeito imediato

 

 


2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Para ler e refletir. Poemas de profundidade abissal.

31 de maio de 2024 às 08:44  
Blogger Maria Oliveira disse...

Poemas que denunciam a ignorância, egoísmo da existência humana, inundada pelo rio da dependência pela tecnologia informática em detrimento da dignidade. Parabéns ao autor.

31 de maio de 2024 às 12:24  

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial