prefácio ( 2)
A poesia de Cleber Pacheco é dissonante, não procura aliciar o leitor
numa primeira investida. É de uma certa aspereza, avessa à melodia; os poemas
não têm títulos para nos abrir portas e encontra no pensamento o seu motivo e
na análise simbólica da história do homem e do cosmo seu desiderato. Poesia
aforismática. Sempre a partir da
humanidade, é claro, pois nos avisa no segundo poema: A cada dia o homem desinventa a morte. E intui o mistério que nos
envolve: O que silencia, no exato,
ninguém sabe. Ao poeta cabe ler este mundo e interpretá-lo, como o
cabalista faz múltiplas interpretações do texto a partir do Aleph. Ou por intermédio dele buscava a
univocidade do Universo na letra e no fundamento da árvore da vida dos
cabalistas, poema 16: toda a árvore é
serafítica. Aqui encontramos o homogêneo e o heterogêneo, o único e o
múltiplo, a interação dos opostos:
Chuva a atravessar a noite,
infusão de arestas, dilúvio.
O homogêneo, vitríolo a corroer o distinto.
Um
despropósito de nuvens, abalroamento.
Há quem atravesse chuva e noite, dissimulação.
Há quem nunca cumpra sequer a nuvem.
O heterogêneo, vitríolo diluindo o infuso.
Dilúvio sem barca, fecundo.
A natureza se constrói unindo e
desunindo, amor e morte, eros e thanatos. O positivo e o negativo
se dão as mãos na ciranda natural das
coisas do mundo que se fazem e desfazem diante dos nossos olhos. O poeta pode
ser o iluminado que atravessa as nuvens, a chuva e a dissimulação para chegar
ao conhecimento do verdadeiro, seja lá o que isso for, pois se o Autor nos
deixa pistas o autor não se importa de embaralhá-las. O leitor que faça sua
leitura única, letra e conteúdo os mesmos, ou que se abra às múltiplas
interpretações – Cleber Pacheco não nos prometeu facilidades:
Tanque d’água no escuro, sequer lua.
O que ele reflete?
O espelho do cego
recorda onde o infinito começa.
No canto, escondida, sombra sem espreita.
Além, talvez, o coro dos mortos.
Não é bonita e profunda a
metáfora do espelho do cego? Mire-se neste espelho, leitor, e revele a sua
própria imagem onde o infinito começa.
José Eduardo Degrazia
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