segunda-feira, 13 de abril de 2015

prefácio ( 2)

A poesia de Cleber Pacheco  é dissonante, não procura aliciar o leitor numa primeira investida. É de uma certa aspereza, avessa à melodia; os poemas não têm títulos para nos abrir portas e encontra no pensamento o seu motivo e na análise simbólica da história do homem e do cosmo seu desiderato. Poesia aforismática.  Sempre a partir da humanidade, é claro, pois nos avisa no segundo poema: A cada dia o homem desinventa a morte. E intui o mistério que nos envolve: O que silencia, no exato, ninguém sabe. Ao poeta cabe ler este mundo e interpretá-lo, como o cabalista faz múltiplas interpretações do texto a partir do Aleph. Ou por intermédio dele buscava a univocidade do Universo na letra e no fundamento da árvore da vida dos cabalistas, poema 16: toda a árvore é serafítica. Aqui encontramos o homogêneo e o heterogêneo, o único e o múltiplo, a interação dos opostos:





                                Chuva a atravessar a noite, infusão de arestas, dilúvio.
                                O homogêneo, vitríolo a corroer o distinto.
                                Um despropósito de nuvens, abalroamento.
                                 Há quem atravesse chuva e noite, dissimulação.
                                 Há quem nunca cumpra sequer a nuvem.
                                 O heterogêneo, vitríolo diluindo o infuso.
                                  Dilúvio sem barca, fecundo.




A natureza se constrói unindo e desunindo, amor e morte,  eros e thanatos. O positivo e o negativo se dão as mãos na ciranda natural das coisas do mundo que se fazem e desfazem diante dos nossos olhos. O poeta pode ser o iluminado que atravessa as nuvens, a chuva e a dissimulação para chegar ao conhecimento do verdadeiro, seja lá o que isso for, pois se o Autor nos deixa pistas o autor não se importa de embaralhá-las. O leitor que faça sua leitura única, letra e conteúdo os mesmos, ou que se abra às múltiplas interpretações – Cleber Pacheco não nos prometeu facilidades:

                                 Tanque d’água no escuro, sequer lua.
                                 O que ele reflete?
                                 O espelho do cego recorda onde o infinito começa.
                                 No canto, escondida, sombra sem espreita.
                                 Além, talvez, o coro dos mortos.

Não é bonita e profunda a metáfora do espelho do cego? Mire-se neste espelho, leitor, e revele a sua própria imagem onde o infinito começa.

José Eduardo Degrazia                             

                                                         
      
                                           
       


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