sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Carta de Marcel Proust a Alfred Agostinelli

                                 
                                                                                                        Mon cher ami,

   Ontem estive a bebericar chá com torradas e eis que fui impelido a ter a maior das experiências de toda uma vida.Por certo ninguém no mundo inteiro seria capaz de compreender o que isso significa.Nem mesmo você. Um gesto tão simples,um ato tão banal e tudo se revelou: mergulhando no interior dessa simplória xícara havia não só o bebericar do chá com meu avô em Auteuil ,mas toda a minha infância, minhas vivências no campo e na cidade,incluindo todos os acontecimentos ocorridos com meus familiares,a criadagem,a aristocracia,os burgueses,os arrivistes,as cocottes,as atrizes,os pintores,os músicos,incluindo aí também as flores,jardins,os lagos,a música,todas as artes e ciências,os  aromas,as cores,o mar e ainda as catedrais com seus vitrais,toda a Paris,as viagens,Neveza e todo o planeta Terra,a lua,as estrelas,os planetas,a Via Láctea,o Cosmos de modo que naquela xícara de chá cabia o Universo inteiro,o Infinito e então eu soube,naquele exato instante,que escrever é impossível.
   Diante de tão terrível constatação,decidi que um dia trancar-me-ei em meu quarto e nunca mais entrarei em contato com o mundo até o dia da minha morte,abandonando-o para sempre,pois todo o possível  está contido dentro do Aleph que é minha xícara de chá.

                                                                                                        Marcel Proust

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial