terça-feira, 3 de dezembro de 2013

IDENTIDADE (quarta parte)

Senti-me livro vivo, incomum pinacoteca, rico e dinâmico acervo de vedado acesso.Âmago do secreto,zelava por todos os Mistérios.Com reverência,cabia-me apenas acatar,aceitar: “Eis aqui o seu servo”,disse.
Sem noção alguma do que fazer com o conteúdo recebido, continuei desempenhando o mesmo papel, tornando-me papiro onde inscritos iam sendo inadmissíveis hieróglifos.
Passivamente permitia tornar-me depósito, museu e arquivo daquela imensa quantidade de caracteres, formas,obras.Arte rupestre,linguagem hermética, disco de Faísto, iconografia alquímica,Flos-Sanctorum,holograma, criptografia quântica,inelegível permanecia.
Uma completa Obra composta de todas as escritas: adâmico ou vattan, devanagari, sumério, bártulo,hitita,ugarítico,etrusco.rúnico,babilônico,persa,sânscrito,catacana,quia-vens,copta,grego,cirílico,latim,todas as línguas da Terra e além, num interminável palimpsesto cujas palavras não haviam sido apagadas.
Pasmo e pleno, arrefeci.
Concluída a transmissão, sem digerir a polpa do fruto que fora oferecido, embora sem poder morder, entrei em êxtase. Só aí pude ver: tratava-se de um conjunto. Este mantinha unidade e completude, cada parte formando um Todo coerente,inconsútil. Continha passado, presente e futuro. Melhor dizendo, sem fim e princípio. Inteiro e ainda por fazer. Possível e inverossímil. Perfeita quadratura do círculo, ASth,Om.
O próprio Verbo.
O Livro da Vida.
Concluída a transmissão, retornado do anterior estado, sem digerir a polpa do fruto que me fora oferecido, novamente senti a presença do ser,enfim compreendendo tratar-se de um Anjo Guardião.Quase fulminado pela exuberância provinda do núcleo dos seus olhos cravados,não diria em meu âmago porque eles já eram o âmago de tudo, mas a me traduzirem,quase recuei,com certo susto , incerto destino.
Tentei antecipar o que viria a seguir, pressentindo a continuidade do processo.Outras etapas anunciavam-se. Desfeita foi qualquer tentativa de despedida.
Vi-me, de fato, impulsionado para trás,sugado até constatar a radical mudança operada no ambiente,a efetuar novo encontro,desta vez muito mais assustador.Transubstanciara-se o belo em horror.
Quem eu encontrava ou encontrava a mim nenhum elemento em comum possuía com a extraordinária presença anterior. De modo simplificado, afirmo apenas tratar-se do seu extremo oposto: um demônio. Complexo ao extremo definir ou ao menos tentar nomear a forma agressiva e hostil em ameaçadora atitude disposta ao enfrentamento,ao ataque.A sanha destrutiva,indisfarçável,vinha em minha direção.Esquartejamento,se corpo físico naquele instante eu tivesse,sem dúvida ocorreria.Dilacerado seria,extinto.
Parecia ter sido transferido do paraíso ao inferno num átimo.
Lembrei-me da passagem: “Fui ,pois ao Anjo e lhe pedi que me entregasse o livrinho.Ele então me disse:”Toma-o e devora-o;ele te amargará o estômago,mas em tua boca será doce como mel”.Tomei o livrinho da mão do Anjo e o devorei:na boca era doce como o mel;quando o engoli,porém,meu estômago se tornou amargo.
Indefeso, assustei-me. Ainda mais intensamente por desprovido de recursos encontrar-me,sem atinar qual o verdadeiro motivo de tanta hostilidade,de ferocidade tamanha,palpável ódio.Nenhum abrigo existindo para cogitar em refúgios.
Poucas possibilidades de obter vitória eu dispunha.
Sem socorro, auxílio,restava-me esperar pelo pior.
Confuso, tentei resgatar leituras anteriores,preparos,cursos realizados,orientações e conselhos.Uma página em branco,tornara-me.Inútil.
Teria de aceitar meu aniquilamento.
Atacou-me a aparição.
“Estou perdido”,concluí.
Preso e esmagado sem piedade, esvair-me muito rapidamente,perdendo energia,capacidades,recursos.Grande e intenso era o poder do inimigo.
Restava a impressão de que um propósito havia, insaciável desejo de extrair cada partícula, sequioso de destruição e inesgotável fome a triturar minha insignificância, drenando para si qualquer resquício e fragmento de minha existência.

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