Resenha
Tendo lido duas vezes o romance Senilidade de Italo Svevo, há muito tentava encontrar A Consciência de Zeno, que acabei de ler. Trata-se de um clássico imperdível.
Fazendo uma sátira à psicanálise, o autor cria uma narrativa em primeira pessoa, efetuada pelo personagem Zeno. Um narrador nem um pouco confiável, contraditório, cínico e cômico ao mesmo tempo. A ironia é sempre contundente e corrosiva. Já no início, em que o personagem relata as tentativas de parar de fumar, ficam nítidas as suas fraquezas,, mas o livro vai muito além disso. Mentiroso, hipocondríaco, hipócrita, procrastinador, um autêntico parasita a viver de rendas, incapaz de realizar qualquer coisa significativa em sua vida. A personalidade dele é tão complexa e cheia de paradoxos, que ultrapassa as classificações.
A história da morte do seu pai, o casamento, de sua amante, os negócios com o cunhado e seu deboche referente às teorias psicanalíticas baseadas no complexo de Édipo nos fazem pensar, rir, aguçar nossa visão a respeito da vida em sociedade, dos relacionamentos , das inúmeras contradições humanas, e muito mais.
Encontramos o narrador não confiável desenvolvido com maestria por autores como Barbey D"Aurevilly e Henry James, por exemplo. Em Svevo isso também é muito bem explorado, com riqueza, profundidade e sátira aos costumes. Se em D"Aurevilly há paixões violentas e sinistras e em James cada texto é uma obra de arte, no autor é uma oportunidade de explorar a chamada consciência da modernidade, ambígua e fluída conforme a conveniência do momento. Não existem convicções, ética, princípios. Tudo depende do momento, ao sabor das paixões num jogo de luz e sombra despistando toda e qualquer conclusão definitiva. Tudo pode ser apenas um jogo, um contínuo fazer e desfazer como um novelo que nunca chega a ser completado, um labirinto sem fio de Ariadne ou um tecer de Penélope a desmanchar o tecido para manter o projeto sempre inacabado. Aliás, para Zeno sequer há um projeto definido. Suas doenças são invencionices assim como os seus amores ou fingir trabalhar enquanto fica sentado em seu escritório apenas fumando. Tudo pode nos remeter a uma grande farsa num mundo onde o sentido está ausente.
Afirma Zeno:
A vida se assemelha um pouco à doença, na medida em que avança por crises e deslizes , com pioras e melhoras cotidianas. Mas, à diferença das outras doenças, a vida é sempre mortal.
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