Resenha
Publicado em 2020, o livro de poemas MIDIASERÁVEL de Delalves Costa, editora Patuá, dialoga ,com o seu livro anterior EXTEMPORÂNEO ( editora Coralina, 2019). Dá seguimento à proposta poética do autor levando-a a um novo patamar.. Além disso, ocorre um diálogo com o Drummond engajado de A Rosa do Povo. Aliás, a imagem da flor e da roseira aparecem constantemente , mas como metáforas de uma beleza conspurcada, devastada, a sangrar ilusão pela raiz,roseira sem jardim sem cor, pois morre-se no miolo neste mundo contemporâneo.
E agora José se transforma em E agora Josseu? , uma mistura do José, o homem comum, com Odisseu, agora sem ilha, sem pátria, sem Penélope, sem ter para onde voltar. Segundo o poeta, restou apenas uma vida sem rumo, sem fronteiras, globalizada sem raízes, sem pátria, no sentido amplo da palavra.. A humanidade, colocada dentro de moldes e molduras, mecanizada, alienada, manipulada pela Mídia, foi reduzida ao automatismo. Torna-se, assim, quase impossível humanizar-se, desenvolver-se interiormente, pois parto que se aquieta não nasce , há um útero invertido. Anestesiados pela manipulação midiática, os seres humanos sofrem uma quebra,tornam-se bagaço na morte semanal, fragmentam-se.
Os primeiros poemas do livro possuem versos completamente fragmentados, aparentemente desconexos, exigindo que o leitor consiga estabelecer as relações partidas entre as palavras. Aliás, a linguagem tanto pode ser um caminho de alienação quanto de resistência. Para o morador de rua, a folha de jornal não é fonte de informação: serve apenas como um cobertor que não protege, mas o exclui ainda mais.v
Esta é uma época do inconcluso, do inacabamento, odo humano não consegue se afirmar, se construir e se buscar.
O que se pode fazer num mundo alienante , desumanizado e cruel? Encontrar brechas , breves vislumbres de poesia e vida, descobrir o valor da desimportância, das miudezas, daquilo que é considerado insignificante pela maioria. É preciso fazer do inacabado oportunidade de respirar e redescobrir , ao menos em parte, o que foi perdido. São pétalas ao vento, dispersas e frágeis que podem e precisam ser colhidas e valorizadas. Numa realidade que nos esmaga, temos de buscar possibilidades de ser. A poesia é uma delas. E o autor não se refere apenas à poesia escrita, mas aos instantes poéticos, fugazes e significativos capazes de nos despertarem do marasmo, do terrível epistemicídio que nos impede de conhecermos a nós mesmos e a vida.
Há versos de grande beleza ao longo das páginas e certamente um dos poemas mais belos é intitulado O Tudo e O Nada.:
Poema é uma coisa que guarda tudo
contudo não guarda nada.
Estranho quando nele está o mundo
e a voz permanece calada.
Às vezes, a gente que não estaria lá
de repente é encontrada.
Pretender guardar é um lapso
(um lapso só, mais nada).
A vida escrita é um (apenas) enigma
enquanto coisa desvendada.
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