domingo, 2 de maio de 2021

Autor Convidado

 


1960 – Carolina – MA. jjLeandro (José Leandro Bezerra Júnior). Jornalista com graduação pela UFG (1983), autor de quatro livros: Quase Ave (IGL – 2002), Babaçulândia (Kelps – 2008), A morte no Bordado (Kelps – 2009), Memórias de Petelico (Kelps – 2011). Premiado como poeta inédito pelo Instituto Goiano do Livro com Quase Ave e duas vezes pela Fundação Cultural do Tocantins com os romances A morte no Bordado e Memórias de Petelico. Publicou com Edson Galo e José Francisco Concesso o livro de contos 3x4 – Três autores, quatro histórias, em 2013. Em 2020, junto com autores tocantinenses e de outros estados, participou da antologia da Editora Veloso (Gurupi), Ruas Vazias, cujos contos e poemas abordam a temática da pandemia do coronavírus. Participou de antologias literárias no Brasil. Tem perfil no Facebook (jjLeandro) e no Instagram (jjLeandro60). Mora em Araguaina – TO. 

                       


                         



Conto: A CEGA
Tereza, a cega, orgulhava-se do ouvido sensitivo que tinha. Há trinta anos trabalhava no patriarcal casarão da rua com mangueiras centenárias. Ia e vinha, de casa para o casarão e vice-versa com a habilidade de um morcego no voo. Desenvolvera ao longo desse tempo a infalível capacidade de reconhecer no soalho de ipê os passos de quem se aproximava de si. Se era seu Onofre, o patriarca irascível e mandão, os passos eram rudes e pesados. As tábuas rangiam como se fossem ceder ante tanta prepotência; se fosse dona Aurora, a patroa, o som nas tábuas tinha o timbre de beijos dados no rosto amado, eram leves e suaves; se fosse Ana, a filha impúbere, os passos miúdos e apressados vibravam como sinos no Natal; Pedro, o pirralho, tinha passos saltitantes de borrego no aprisco que arrancavam sorrisos de Tereza. É um, é outro, outro, ou outro, adivinhava Tereza, a cega, com o ouvido a aproximação de qualquer dos moradores da casa enquanto passava roupas conferindo com as mãos destras o tecido quente que perdia as rugas com o ferro de passar.

No dia que morreu, Tereza, a cega, distinguiu quem se aproximava e depois lhe desferiu a mortal facada que queimou mais seu peito que o ferro que ardia no tecido que seus dedos seguiam conferindo a eficiência da engomação. Os passos do assassino não tinham o timbre do beijo no rosto amado, não eram nem apressados e muídos, nem soavam como sinos de Natal; tampouco eram saltitantes como os de borrego no aprisco. Tereza morreu e, se isso a confortou, sentiu a sensação de que não fora traída.




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