domingo, 12 de junho de 2016

INVERNIA - resenha

INVERNIA. Um livro singular de Cleber Pacheco

Por: Krishnamurti Góes dos Anjos

            Parece-nos lastimável a visão deste contínuo e inútil esforço para realizar-nos a nós mesmos num mundo ingrato e rebelde. Que trágico espetáculo este inconciliável contraste entre a vontade e os meios, entre o pensamento e a realização. Encontramo-nos numa terra volúvel e vã que recolhe as ruínas de todas as nossas humanas grandezas baseadas num tormento insaciável de posse. E corremos e corremos apenas para nos atordoar, para não sentirmos a nós mesmos, para fugirmos à voz de nossa alma carente de paz, sem rumo. A perplexidade confusa nos assola...
            Em 2014 o escritor Cleber Pacheco escreveu e publicou o ‘romance’ INVERNIA. É obra na qual tudo ressuma a poesia. Na verdade uma prosa poética em que a expressão do eu se revela desde a confissão dum avassalante sentimento artístico (o homem que escreve e desenha), até o ritmo apoiado em metáforas e sintaxe emocional. A frase de abertura do texto “Primeiro, a árvore”, lança-nos de chofre na metáfora que o reino vegetal representa para a vida humana. Ar, oxigênio, vida.
            Um homem, uma árvore, uma praia. Nada mais. O cenário no qual o homem respira está composto. Fidelino Figueiredo cunhou o conceito de que a arte literária é verdadeiramente a ficção, a criação duma supra-realidade com os dados profundos, singulares e pessoais da intuição do artista. É notável a capacidade de inquirição existencial do autor quando demonstra os processos de desintegração da personalidade. Diz muito com o mínimo de expressão verbal e adjetivação cuidadosamente selecionada. A fórmula é seca, rígida e cortante, ao ponto de dispor em uma única frase, além da qual se estende a página em branco, sua prosa poética de pendor filosófico. Talvez a sugerir-nos que já estamos no fundo do poço deste nosso tempo “pós-moderno”. Época de experiências trágicas e monstruosas em que os homens literalmente se explodem.
            O texto de Pacheco centra luz sobre um anônimo que vive solitário numa praia em meio aos entrechoques de uma guerra sem tréguas para sobreviver e, imerso numa atmosfera mental densa e neurótica que termina por levá-lo ao paroxismo da loucura, loucura que o empurra ao suicídio que por sua vez, se frustra porque a vida tem estratégias a que costumamos creditar na rubrica do imponderávelda existência. E ele continua a viver num estado de insatisfação permanente e revolta latejante, a buscar-se, a desesperadamente tentar se encontrar – eis ai o tema obsedante da narrativa. Todavia, como fazê-lo se em seu interior reina a impiedade e o desamor, a indiferença e a maldade deliberada? Segue indefinidamente numa sobrevida medíocre.
            Pobres seres somos nós. Conservamo-nos não somente pagãos (“um homem sem totem”. P. 127 – simbologia que merece detida reflexão), mas bestiais na substância. Rebaixamos tudo a nosso baixo nível – religião, estado, sociedade, ética. E nesse existir, “sempre prestes a cometer algum delito, a esmagar com os dedos, a sufocar com as mãos, a dissecar com os olhos”. P. 116, continuamos paradoxalmente, cada vez mais oprimidos – a bola da vez da tal pós-modernidade: “estar morto era só não ter mais palavras. Era também não ter direito ao silêncio”. P. 90., oprimidos por uma luta áspera pela vida e uma realidade de dor.

            Incrivelmente seguimos também iludidos, insensíveis, inconsequentes e resistindo a toda melhoria substancial. Ignorantes do amanhã. Em horizonte fechado. Como podemos insistir ainda nesse jogo doloroso para afinal, concluir tristemente que nascemos apenas para colher ilusões?  Até aqui a última palavra tem sido dada pelas aflições de um frio inclemente das invernias, modeladoras de destinos, forjadoras de almas. O sofrimento disto, esta aflição vem se repetindo como que enxertada na vida em gotejar cotidiano ou em grandes rajadas. Talvez o calor, e a luz, retornem quando afinal compreendermos que somos os responsáveis. Os únicos artífices de nosso destino a quem compete o dever de esculpir a grande obra do espírito na rude matéria da vida.

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