INVERNIA - resenha
INVERNIA. Um livro
singular de Cleber Pacheco
Por: Krishnamurti Góes
dos Anjos
Parece-nos
lastimável a visão deste contínuo e inútil esforço para realizar-nos a nós
mesmos num mundo ingrato e rebelde. Que trágico espetáculo este inconciliável
contraste entre a vontade e os meios, entre o pensamento e a realização.
Encontramo-nos numa terra volúvel e vã que recolhe as ruínas de todas as nossas
humanas grandezas baseadas num tormento insaciável de posse. E corremos e
corremos apenas para nos atordoar, para não sentirmos a nós mesmos, para
fugirmos à voz de nossa alma carente de paz, sem rumo. A perplexidade confusa
nos assola...
Em 2014 o
escritor Cleber Pacheco escreveu e publicou o ‘romance’ INVERNIA. É obra na
qual tudo ressuma a poesia. Na verdade uma prosa poética em que a expressão do
eu se revela desde a confissão dum avassalante sentimento artístico (o homem
que escreve e desenha), até o ritmo apoiado em metáforas e sintaxe emocional. A
frase de abertura do texto “Primeiro, a árvore”, lança-nos de chofre na
metáfora que o reino vegetal representa para a vida humana. Ar, oxigênio, vida.
Um homem,
uma árvore, uma praia. Nada mais. O cenário no qual o homem respira está
composto. Fidelino Figueiredo cunhou o conceito de que a arte literária é
verdadeiramente a ficção, a criação duma supra-realidade
com os dados profundos, singulares e pessoais da intuição do artista. É notável
a capacidade de inquirição existencial do autor quando demonstra os processos
de desintegração da personalidade. Diz muito com o mínimo de expressão verbal e
adjetivação cuidadosamente selecionada. A fórmula é seca, rígida e cortante, ao
ponto de dispor em uma única frase, além da qual se estende a página em branco,
sua prosa poética de pendor filosófico. Talvez a sugerir-nos que já estamos no
fundo do poço deste nosso tempo “pós-moderno”. Época de experiências trágicas e
monstruosas em que os homens literalmente se explodem.
O texto de
Pacheco centra luz sobre um anônimo que vive solitário numa praia em meio aos
entrechoques de uma guerra sem tréguas para sobreviver e, imerso numa atmosfera
mental densa e neurótica que termina por levá-lo ao paroxismo da loucura,
loucura que o empurra ao suicídio que por sua vez, se frustra porque a vida tem
estratégias a que costumamos creditar na rubrica do imponderávelda existência.
E ele continua a viver num estado de insatisfação permanente e revolta
latejante, a buscar-se, a desesperadamente tentar se encontrar – eis ai o tema
obsedante da narrativa. Todavia, como fazê-lo se em seu interior reina a
impiedade e o desamor, a indiferença e a maldade deliberada? Segue
indefinidamente numa sobrevida medíocre.
Pobres seres
somos nós. Conservamo-nos não somente pagãos (“um homem sem totem”. P. 127 –
simbologia que merece detida reflexão), mas bestiais na substância. Rebaixamos
tudo a nosso baixo nível – religião, estado, sociedade, ética. E nesse existir,
“sempre prestes a cometer algum delito, a esmagar com os dedos, a sufocar com
as mãos, a dissecar com os olhos”. P. 116, continuamos paradoxalmente, cada vez
mais oprimidos – a bola da vez da tal pós-modernidade: “estar morto era só não
ter mais palavras. Era também não ter direito ao silêncio”. P. 90., oprimidos
por uma luta áspera pela vida e uma realidade de dor.
Incrivelmente
seguimos também iludidos, insensíveis, inconsequentes e resistindo a toda
melhoria substancial. Ignorantes do amanhã. Em horizonte fechado. Como podemos
insistir ainda nesse jogo doloroso para afinal, concluir tristemente que
nascemos apenas para colher ilusões? Até
aqui a última palavra tem sido dada pelas aflições de um frio inclemente das
invernias, modeladoras de destinos, forjadoras de almas. O sofrimento disto,
esta aflição vem se repetindo como que enxertada na vida em gotejar cotidiano
ou em grandes rajadas. Talvez o calor, e a luz, retornem quando afinal
compreendermos que somos os responsáveis. Os únicos artífices de nosso destino
a quem compete o dever de esculpir a grande obra do espírito na rude matéria da
vida.
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