sábado, 12 de outubro de 2013

RETRATOS (1)

SEU OSCAR

Aos quatorze anos fui para a Estação de Águas com a família.O lugar era mágico:hotel antigo com elevador de comida,paisagem serena.O ambiente inspirou-me a escrever,depois,uma história policial,cuja protagonista chamava-se Marta,minha versão particular de Miss Marple,é claro.Só que Marta era casada (e achava o marido um pouco burro) e tinha uma atitude tanto mais agressiva que a famosa personagem de Agatha Christie.Quanto ao livro,bem,tive o bom senso de perdê-lo anos depois. Na época,estava lendo,fascinado,o romance A MURALHA,de Dinah Silveira de Queiroz.Mas o verdadeiro fascínio ficou por conta de um velhinho que lá conheci e que se chamava Oscar.
Ele era de origem alemã,casado com Ana,uma senhora húngara que viera para o Brasil por causa da guerra.Para mim ,ela era completamente húngara,se é que me entendem:óculos húngaros,penteado húngaro e sotaque húngaro. Ao menos assim eu a via então.Ela recusava-se a falar a respeito da guerra e demonstrava verdadeiro pavor de tocar no assunto.Quanto ao marido,dizia,não sem certa irritação, que era muito mais organizado do que ela.Andava sempre com um sombrinha,pois tinha horror ao sol.
Quanto a ele,tomei conhecimento após estar alguns dias na Estação de Águas.Certa tarde,sem ter o que fazer,fui para o pátio,ao lado do velho hotel.Um grupo de senhores idosos encontrava-se ali.Conversavam.Entre eles,o seu Oscar.
Fui atraído por aquela voz doce que contava histórias com uma serenidade de sábio chinês.Fiquei à distãncia,ouvindo,atento.Mergulhei nas palavras dele como se lesse um saboroso romance.
Após algum tempo,os outros se afastaram e ele me chamou,tendo percebido que eu o ouvia com tanta atenção.
A partir daquele momento,ficamos amigos,embora pareça improvável que um adolescente de quatorze anos e um senhor de setenta possam ser amigos.O fato é que nos entendíamos perfeitamente.
Nunca conheci pessoa mais doce.Era sempre gentilíssimo,educado,nunca alterava a voz e falava interminavelmente,sem nunca cansar os ouvintes.Era uma espécie de Sherazade germânica masculina.Sempre tinha coisas para contar.
Quando parti,entristecido,pedi o endereço dele.E,chegando em casa,de imediato escrevi uma carta e enviei.
Nossa correspondência durou alguns anos.Ele sempre enviava muitas folhas preenchidas com uma letra impecável,contando tudo nos mínimos detalhes.Guardo suas cartas até hoje.
A certa altura,parei de enviar cartas.E nunca mais soube dele.Melancólico,tomei a decisão conscientemente.Todavia,só muito depois percebi o motivo da minha atitude:tive medo.Medo de um dia parar de recebê-las.Ou de chegar um aviso do seu falecimento,de saber que aquela doçura não existia mais.É que eu preferia guardar comigo,para sempre,a impressão de que seu Oscar continuava vivo e prestes a enviar mais uma de suas longas cartas com suas infindáveis histórias.


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