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sábado, 30 de dezembro de 2023

Resenha

 


   Publicado em 2023 pela Besouros Abstêmios o romance Relicário de Cuspes do escritor Leonardo Valente é  impactante. De modo inventivo o autor nos relata a história de um homem que passou toda sua vida sofrendo inúmeros tipos de agressões verbais vindas do pai, da mãe, da tia, dos colegas de escola, da professora, da esposa. E foi acumulando essa imensa carga de ódio, desprezo, cobranças, humilhações, incompreensão como se fosse o único "tesouro" de sua existência. As bocas à sua volta lançam sobre ele apenas suas próprias frustrações, como se o personagem fosse um mero depósito desse peso que o mundo joga cruelmente sobre ele. Esmagado entre um mar de palavras hostis, resta a ele tentar encontrar a si mesmo, sua verdadeira identidade, que ficou perdida num mar de insultos.  

   Para enfim o personagem poder efetuar sua própria trajetória, a narrativa segue  por dois caminhos diferentes: vai fazendo o balanço objetivo das frases pronunciadas, incluindo quem as disse, a data e a crueldade explícita em todas elas. Por outro lado, desenvolve um relato mais surreal, em que situações se repetem com pequenas modificações, causando a angustiante sensação de que ele tem extrema dificuldade de se libertar de tudo isso bem como de elaborar os acontecimentos até enfim obter clareza e algum sentido numa vida sem sentido aparente. 

   Com originalidade e contundência , Leonardo Valente  consegue criar  um livro que fascina e inquieta, que prende o leitor e o faz refletir a respeito do mundo em que vivemos, das relações e conflitos familiares, da escola que deveria ser um ambiente de desenvolver  o potencial das crianças em vez de esmagá-lo, do casamento, do trabalho, fazendo-nos perceber que o ambiente social não está aí para nos oferecer possibilidades e sim para produzir alienados. 

   Trata-se de um estilo que não se deixa levar pelo intuito de agradar o leitor com soluções fáceis e óbvias, o que só aumenta o seu valor.  Desbravar um caminho todo próprio não é algo corriqueiro na literatura contemporânea, por isso mesmo é digna de louvor a ousadia com que o texto foi  cuidadosamente construído. Posso afirmar sem receio que se trata de um dos melhores livros que li este ano. 

  

   











































































































































































































































































































































































































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