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domingo, 21 de abril de 2019

Resenha



   Li Os Moedeiros Falsos de André Gide  quando ainda estava no curso de Letras. Agora releio percebendo melhor a dimensão do significado e da importância deste livro essencial. Nele o autor trouxe importantes inovações, influenciando os escritores de sua época e das gerações futuras. É inegável a ousadia de Gide ao escrever um livro que critica abertamente o realismo então ainda em voga. Critica os enredos bem acabados, personagens definidos, enredos artificiais E cria uma narrativa ousada e em aberto, que busca as possibilidades, como se vagasse sem uma direção definida, ao acaso. Em seu diário o personagem Edouard, que é escritor, comenta:
   a realidade me interessa como uma matéria plástica; e tenho mais olhos para o que poderia ser, infinitamente mais do que para o que foi. Inclino-me vertiginosamente sobre as possibilidades de cada ser e lastimo tudo o que o manto dos costumes atrofia. 
    O autor busca não mais os tipos e caricaturas costumeiras de uma tradição literária e suas convenções. Segundo ele, a literatura deve buscar a essência. E esta seria a tarefa do autêntico romancista. 
   Também podemos encontrar no decorrer dos acontecimentos e reflexões, uma sátira ao mundo literário, com suas vaidades e rivalidades, de modo que o projeto da revista de Passavant se torna uma enorme farsa sem sentido, em vez de uma proposta de vanguarda . Passavant representa os vícios de um sistema literário ávido pela glória passageira e a vaidade, enquanto Edouard é o escritor a realmente buscar uma nova compreensão da vida e da literatura. 
    Para Gide a realidade é fluida, pois cada pessoa a interpreta de um modo diferente ou se debate com as elucubrações que costuma criar para si mesmo, como se apresenta em todo o livro e em especial nos personagens La Pérouse, Boris e Bronja e até mesmo nos equívocos pretensamente terapêuticos de Sophroniska. No final, são muito significativas  as palavras de La Pérouse , sintetizando os dramas e conflitos humanos de um modo geral:
   Sabe o que pensei? É que não podemos saber, durante toda esta vida, o que realmente é o silêncio. Nosso próprio sangue faz em nós uma espécie de ruído contínuo,não dostinguimos mais esse ruído porque nos acostumamos a ele desde a infância...Mas penso que há coisas que,durante a vida,não chegamos a ouvir,harmonias...porque esse ruído as encobre. E, penso que só depois da morte é que poderemos ouvir realmente...

   Outra questão importante, pelo viés do personagem Bernard, é a necessidade de se libertar das convenções sociais e buscar viver a vida por si mesmo, buscar o seu próprio caminho, estabelecer suas próprias regras, mergulhar na experiência de estar vivo, efetuar descobertas e inventar a si mesmo. 
   Em suma, Os Moedeiros falsos é leitura das mais importantes para obtermos uma visão das transformações literárias do início do século passado e para compreendermos melhor o próprio século XX.

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