(Segue outro trecho da história)
Sentei-me.
Pedro era seu nome.
Diante dele, ao invés do rosto, olhei ao redor. Inúmeros lápis coloridos e giz espalhados.Sem saber por onde começar,examinei-os,como se buscasse por alguma cor,uma tonalidade.Apanhei um deles,esperei.Nenhuma reação esboçou.
Descobrindo a pilha de papéis,peguei uma folha em branco,imaginando qual forma seria mais adequada para tentar chamar-lhe a atenção.Pensei em animais,flores,tentei uns rabiscos.Ocorreu-me arriscar a figura da mãe,ou dele próprio,quem sabe.Péssimo desenhista,pouca esperança tinha de agradá-lo.Queria ao menos despertar seu interesse;fazê-lo vir à tona seria esperar demais.Se até a beirada do mundo ou de si mesmo chegasse,já me daria por satisfeito.Ficando próximo-fisicamente,quero dizer-,no mínimo poderia sentir qual vibração possuía,quais frequências emitia.Lidava com isso todos os dias e podia detectar distúrbios de qualquer natureza,desarmonias,doenças.Em algum nível obteria esclarecimento ou provável pista a respeito do que se passava.
Consegui apenas ficar desorientado.
Aparentemente, nenhum sinal. Era como se um manto de silêncio o tivesse envolvido há muito tempo,um tempo muito mais longo do que se poderia sequer imaginar, trazendo consigo apenas vazio e esquecimento.Foi só então que de fato o olhei.
Nada, transmitiam rosto e olhar.Do fundo daquele nada,no entanto,um baixo-relevo de mistério fazia-se vagamente vislumbrar.
Comum,eu diria.Comum demais.Um menino de dez anos,sem nenhum traço marcante a não ser o alheamento que lhe era característico.Pouco poderia ser dito além disso.
Intrigado,nova tentativa cometi.
Cheguei mais perto. Ocorreu-me verificar quais desenhos aquelas pilhas de folhas continham. Um modo mais correto e acessível de aproximação, uma vez que aquela era a especialidade dele:desenhar.A única tarefa que executava sem o menor esforço,segundo a mulher,a exclusiva ocupação de sua vida.A decisão óbvia,concluí.
Apanhei uma e examinei.
Em seguida, outra.
Uma a uma vistoriei com todo empenho. Suspirei, desanimado.Não havia talento algum ali.Nenhuma delas fazia o menor sentido.
“Por aqui não há caminho”,percebi.”Melhor não insistir.”
Minhas alternativas continuavam a reduzir-se drasticamente. As possibilidades iam se fechando uma a uma,sem conduzir a uma solução,a uma resposta.Limitava-me a ir descartando possibilidades,perturbado.Compreensível mesmo só o fato de nenhuma profissional ter conseguido fazer um diagnóstico.
Nunca me deparara com uma situação assim antes.
“Grafismos”,ponderei.Típico de crianças.Crianças normais,diga-se de passagem,o que não era o caso.Mal comparando,esperara encontrar um novo Rembrandt e tratava-se,na verdade,de um Miró .Irritado,arrisquei espiar as outras folhas.Nenhuma novidade.Infindável quantidade de garatujas esparramava-se pelos papéis,nada significando.Absolutamente frustrante.
Desvendar qual a porta de entrada para tão oclusa atitude apresentava-se cada vez mais inviável.Esfíngico,o garoto não mantinha qualquer conexão com a realidade.Teria de conversar com a mãe e explicar,o que me prendia,evitando o momento de dissolver todas as ilusões dela.
“Ninguém jamais irá curá-lo”,concluí.Nenhum meio de comunicar-me com ele havia.
Restava reconhecer o fracasso e bater em retirada.
Levantei-me.
Melhor retornar à minha sala e prosseguir com as habituais consultas, exercendo o trabalho no qual mantinha.quase sempre,resultados.
Antes de eu sair, manifestou-se ele. Apanhando um giz azulado,pôs-se a executar rabiscos,só que desta vez no assoalho.
Parei.
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